O Novo Testamento é um manancial
riquíssimo, cheio de preciosas lições
e de belezas emocionantes que encantam a
alma da gente. Uma das páginas mais
bonitas, se é que podemos assim dizer,
é o capítulo treze da primeira
epístola de Paulo aos Coríntios.
Esta epístola tem uma significação muito especial para o apóstolo. Corinto é a cidade onde nasceram Abigail e Estêvão, cuja história se encontra tão bem contada no livro Paulo e Estêvão, psicografado por Chico Xavier. Abigail foi o grande amor da vida de Paulo de Tarso e Estêvão, irmão de sua noiva, foi o primeiro mártir do cristianismo.
Corinto era uma cidade muito famosa naquela época pelos seus desregramentos, e a comunidade cristã local cresceu rapidamente, encontrando refúgio e paz nos ensinamentos de Jesus. Foi aí que Paulo escreveu sua primeira epístola, seguindo a orientação do Mestre, uma vez que lhe era impossível estar em todos os lugares que solicitavam a sua presença, pedindo orientação para os mais diversos problemas do cristianismo nascente. Suas cartas, ou epístolas, eram lidas com emoção pelos adeptos das Boas Novas, que consideravam ser o próprio Jesus quem estava a lhes escrever por intermédio de Paulo.
O capítulo treze da primeira epístola aos Coríntios foi intitulada O amor é o dom supremo.
Nós dividimos este belo poema de amor em seis partes, para tentar melhor entender a grandeza dos seus ensinamentos.
E eu passo a mostrar-vos ainda
um caminho sobremodo excelente.
Poucos cristãos tiveram oportunidades
de transformação íntima
tão intensa quanto Paulo de Tarso.
A duras penas ele aprendeu a seguir pelo
caminho do amor e na primeira parte desta
epístola ele fala com autoridade,
com conhecimento de causa, mostrando como
fazer, porque trazia em si as marcas da
caminhada que davam testemunho do que tinha
para ensinar.
Ao experimentarmos viver com amor adquirimos um estado de excelência, que é quando sentimos a plenitude do amor enchendo-nos o coração de alegria, esperança e paz, independente das circunstâncias em que estejamos vivendo. Neste estado, desejamos expandir o amor para todas as criaturas, e nada nem ninguém nos aborrece.
Ainda que eu fale
as línguas dos homens e dos anjos,
se não tiver amor,
serei como o bronze que soa,
ou como o címbalo que retine.
Ainda que eu tenha
o dom de profetizar e conheça
todos os mistérios e toda a ciência;
ainda que eu tenha
tamanha fé
ao ponto de transportar montes,
se não tiver amor,
nada serei.
E ainda que eu distribua
todos os meus bens entre os pobres,
e ainda que entregue
o meu próprio corpo para ser queimado,
se não tiver amor,
nada disso me aproveitará.
Nesta segunda parte, ele deixa clara a necessidade
de sermos verdadeiramente bons.
Cita os objetivos mais importantes idealizados pelos crentes de sua época, muitos dos quais alcançados por ele mesmo, antes de conhecer Jesus, para em seguida dizer que de nada aproveita se não tiver amor.
Falar a língua dos homens e dos anjos tem sido motivo de prestígio e admiração em qualquer tempo, facilitando a comunicação entre estrangeiros, o entendimento entre compatriotas e, ao falarmos a língua dos anjos, estaremos freqüentemente cercados por uma multidão sempre faminta de consolo e ensinamentos, a nos admirar e endeusar. Recordamos que Buda certa vez falou que ele era uma seta apontando o caminho, mas as pessoas em vez de seguirem o caminho, adoravam a seta, perdendo-se em ilusões.
Poderemos prever acontecimentos futuros, possuir um cabedal de conhecimentos profundos sobre os assuntos mais diversificados, ter uma fé inabalável, e o coração vazio de amor que gera humildade, simplicidade, doçura. O apóstolo Paulo, antes da visão do Senhor, demonstrava sua fé de maneira ardorosa e arrebatadora, mas sem a tolerância que é filha da compreensão e do amor.
Muitos há que distribuem seus bens e são considerados caridosos; que participam de grupos de auxílio a necessitados e doam seu tempo e sua vida a benefício do próximo, mas, apesar de trabalharem pelos outros esquecem-se do mais importante: trabalhar-se, disciplinando dentro de si mesmos o orgulho, a prepotência, a vaidade, a presunção, a soberba e vencendo as animosidades no relacionamento com os companheiros mais próximos, sacrificando-se a cada minuto a fim de que a paz reine entre todos e a vontade do Pai impere soberana.
No Mundo Espiritual, após a vida terrena, teremos uma visão mais precisa dos nossos atos. Muitos choram surpresos ao perceberem o quanto se enganaram imaginando que teriam privilégios e honrarias pela caridade que praticaram e que, no entanto, o que conta é a nossa transformação moral, é sermos verdadeiramente e intrinsecamente bons, pois um homem bom por si só já espalha bondade à sua volta, mesmo sem a intenção consciente de fazer o bem.
O amor é paciente,
é benigno,
o amor não arde em ciúmes,
não se ufana,
não se ensoberbece,
não se conduz inconvenientemente,
não procura os seus interesses,
não se exaspera,
não se ressente do mal;
não se alegra com a injustiça,
mas regozija-se com a verdade;
tudo sofre,
tudo crê,
tudo espera,
tudo suporta.
Nesta parte do poema, Paulo de Tarso passa
a referir-se sobre o que é e o que
não é o amor.
O amor faz bem, é tranqüilo e bom. Quem ama irradia felicidade e alegria íntima sempre. Sabe esperar e compreender, supera com serenidade os obstáculos e coloca os objetivos do bem geral acima dos seus próprios interesses.
Tem, como fonte geradora de todo amor e de todo o bem, Deus. Desse modo, não espera de fora o alimento para sua alma, buscando no seu íntimo o contato estreito com a divindade que lhe abastece de infinito amor, irradiando para todos os seres da Criação.
O ciúme, o amor orgulhoso e vaidoso, inconveniente e interesseiro, desesperado, magoado e maldoso, não é verdadeiramente amor: é paixão, emoção primitiva que leva ao sofrimento, aprendizado ainda em fase primária na escola da Vida.
O amor é sentimento, enquanto a paixão é emoção. O primeiro liberta e asserena. O segundo aprisiona e gera ansiedade. Segundo os indianos, enquanto tivermos emoções e desejos estaremos presos à roda das reencarnações...
Só quem ama verdadeiramente é capaz de suportar qualquer tipo de sofrimento, até mesmo a crucificação, como fez o Mestre.
Tem um coração crente e desarmado, como Jesus ao se defrontar com Judas e o grupo que foi aprisioná-lo no Getsêmani. Embora sabendo o propósito daquela visita, dá-lhe ainda uma chance ao lhe perguntar: "Amigo, para que vieste?"
Espera, mesmo quando tudo em volta fala de desesperança e desistência. E o apóstolo Paulo, na sua epístola aos Romanos (8:24), nos diz: "Ora, esperança que se vê não é esperança; pois o que alguém vê, como o espera?",
Tudo suporta porque vê mais além. É nutrido por sentimentos e esperanças que poucos compreendem, enfrentando dificuldades com uma força surpreendente transmitindo coragem e confiança a quantos compartilham de suas dores. Paulo de Tarso, falando aos Coríntios (2-7:4), traduziu bem esse sentimento: "sinto-me grandemente confortado e transbordante de júbilo em toda a nossa tribulação."
O amor jamais acaba;
mas, havendo profecias, desaparecerão;
havendo línguas, cessarão;
havendo ciência, passará;
porque em parte conhecemos,
e em parte profetizamos.
Quando, porém, vier o que é perfeito,
então o que é em parte será aniquilado.
Neste trecho o apóstolo fala daquilo
que é eterno em nós e que
está impregnado de perfeição:
a individualidade, nossa essência
divina que se encontra qual diamante bruto,
oculto sob espessa camada de rocha, aguardando
a lapidação.
Nosso trabalho, ao longo dos milênios, tem sido o da busca da unidade, da perfeição, da comunhão com o Pai. Em essência somos perfeitos e eternos. Revestimo-nos de um corpo material, e a cada existência tomamos uma personalidade para assimilarmos o aprendizado da Vida.
Esse corpo material, ao final da existência, se transforma. Por muito tempo nos confundimos com ele e nos apegamos a tudo o que é material: bens, dinheiro, condições sociais. Ficamos presos, às vezes, até mesmo a relacionamentos passageiros e a ideias arraigadas pelos conhecimentos adquiridos.
Paulo de Tarso nos fala que tanto as profecias, como as línguas e a ciência passarão. Sim, porque as profecias, uma vez cumpridas, perdem a validade; as línguas, que servem de orgulho para quem conhece várias e para as nações dominadoras, tornam-se mortas com o passar dos séculos, como aconteceu com o latim, por exemplo; e a ciência está sempre em evolução: o que hoje é uma grande descoberta, amanhã passa a ser superado. Livros e mais livros escritos sobre determinado assunto científico em pouco tempo ficam ultrapassados pelas novas descobertas.
Só a sabedoria permanece.
Quando nos aproximarmos do centro do próprio ser, pela meditação e auto-conhecimento, que nos conduzem a uma identificação maior com a nossa essência espiritual, viveremos mais perto do que é eterno, "estaremos no mundo sem sermos do mundo", como nos falou Jesus, e não sofreremos mais pela sensação de separatividade, porque "o que é em parte será aniquilado". Viveremos de forma integral, plenos.
Quando eu era menino,
falava como menino,
sentia como menino,
pensava como menino;
quando cheguei a ser homem,
desisti das cousas próprias de menino.
Porque agora vemos como em espelho,
obscuramente,
então veremos face a face;
agora conheço em parte,
então conhecerei como também
sou conhecido.
O apóstolo aqui trata da questão
do autoconhecimento e conseqüente crescimento
espiritual.
Enquanto estivermos presos à vida material, apegados às impressões da personalidade, teremos comportamentos infantis. Sofreremos com nossas paixões e faremos com que outras pessoas também sofram devido à nossa conduta.
Somos considerados "crianças espirituais" pelos Espíritos mais esclarecidos.
À medida que vamos evoluindo, nos identificando com nossa individualidade, muitas coisas deixam de ter importância para nós: passam a ser coisas de criança, passa-tempo infantil. Nossos interesses têm nova direção e, se nos distanciamos muito do grupo que nos cerca a experiência evolutiva, passamos a ser considerados como pessoas diferentes, esquisitas e teremos uma vida mais solitária.
O Cristo, apesar de estar sempre acompanhado por amigos, dizia "não ter onde reclinar a cabeça".
Durante a fase que nos prendemos à personalidade, não conseguimos fixar na mente nossa verdadeira imagem, como quando nos olhamos num espelho: vemos nosso rosto, mas retemos a imagem que imaginamos ter e não aquela que todos vêem em nós. Só com o exercício constante do autoconhecimento é que passaremos a ter uma visão mais verdadeira do que somos, de como estamos e do quanto precisamos ainda fazer para que o diamante da individualidade se mostre com toda a pujança da sua beleza. E aí então, "veremos face a face".
É um trabalho longo e constante que tem fascinado a quantos buscam a perfeição espiritual.
Agora, pois, permanecem a fé,
a esperança
e o amor,
estes três:
porém o maior destes
é o amor.
Concluindo, ele nos cita as três virtudes
principais: a fé, a esperança
e o amor, sendo esta última traduzida
por alguns como caridade.
A fé é a crença em algo, mesmo que não tenhamos explicações que a justifique. Quando a lógica a secunda, passa a ser fé raciocinada.
É a fé que mobiliza os homens para atingir os seus objetivos, seja ele em que campo for.
A esperança, semelhante à fé, crê em algo que está por vir e embora tudo conspire contra, a espera continua inabalável.
É ela quem suaviza as dores da vida e dá cor à fé.
Já o amor dulcifica a fé e alimenta a esperança.
Quem ama, crê e espera.
Com essas três virtudes a vida se torna mais fácil de ser vivida.
Um homem rico de fé mas pobre de esperança e mendigo de amor, Saulo de Tarso se perdeu no torvelinho do orgulho e da insensatez.
Um Homem rico de amor, cantor da esperança e condutor da fé, Jesus, encontra-se com Saulo e o transforma num homem novo: Paulo de Tarso.
Só o amor tem a força capaz de transformar e conduzir a criatura ao seu Criador.
Revista
Presença Espírita - Set/out.96
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