Esta
semana, Gregório retoma a fala para compartilhar conosco um lindo
exemplo. Um convite à reforma intima a qual considera caminho que nos
conduz ao adiantamento.
Sr.Manuel,
membro da comunidade na qual está localizada A Casa do Cristo,
permitiu-se conhecer e experimentar um novo percurso, acatando-o, em
seguida, como seu direcionamento de vida. Entregou-se ao estudo e a
reflexão e foi se deixando modificar, pouco a pouco, transformando
pensamentos, sentimentos e condutas. Tornou-se um novo homem, um homem
melhor.
A
caminhada deste amigo ressalta a fé raciocinada, inabalável, que crê no
que conhece e compreende, utilizando-se da razão que questiona e busca
respostas.
“A
fé cega é como farol cujo vermelho clarão não pode transpassar o
nevoeiro;
a fé esclarecida é foco elétrico que ilumina com brilhante luz
a estrada a percorrer.
Ninguém adquire essa fé sem ter passado pelas tribulações da dúvida,
Ninguém adquire essa fé sem ter passado pelas tribulações da dúvida,
sem ter padecido as angústias que embaraçam o caminho dos
investigadores.
Muitos param em esmorecida indecisão e flutuam
longo
tempo entre opostas correntezas.
Feliz quem crê, sabe, vê e caminha
firme.”
(Leon Denis, Depois da Morte, Quinta Parte, cap. 44.)
A
nova forma de vida a qual se propôs nos orienta a exercitar o amor
recebido, transformando-o em ação, a prática da caridade, que beneficia
ao próximo e a nós mesmos.
“Amemo-nos
uns aos outros e façamos aos outros
o que quereríamos que nos fosse
feito”.
(Irmã Rosália, Evangelho segundo Espiritismo –
A Caridade Moral e
a Caridade Material, 9).
Por
fim, nos faz reconhecer que a união da Fé e da caridade nos possibilita
renovar o nosso ser e a seguir em frente, passo a passo, cada vez mais
próximos do que, verdadeiramente, almejamos.
"Triunfareis,
se a caridade vos inspirar e fordes sustentados pela fé."
(Um Espírito
Protetor, Evangelho segundo o Espiritismo –
A Fé e a caridade, 13).
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A vida na Terra não era a mesma. Muitos anos haviam se passado desde a última vez que estive vivo, encarnado, por aqui.
Lembro-me
de ruas ainda não calçadas e de pessoas perambulando em seus trajes
elegantes, não condizentes com o tempo quente do clima que se
despontava, e outras maltrapilhas, antigos escravos, que viviam a
servir.
Estas
diferenças pareciam menores agora. Apesar da pobreza de certos locais,
os transeuntes pareciam semelhantes, com poucas diferenças, quando
juntos no meu espaço, a trafegar ligeiros em busca do pão de cada dia.
A
vila de Rute era um destes lugares simples, necessitados de
infraestrutura e limpeza. O lixo reunido pela população permanecia dias,
e, até, meses, expostos a animais e a chuva que o varria para de volta
para as casas, como se procurassem seus donos em busca de abrigo. Porém,
a comunidade mostrava-se unida e feliz.
Levantavam
cedo, era possível vê-los de pé, ainda ao escurecer do dia. Não porque
ainda não haviam dormido, mas porque o dia se fazia antes do primeiro
raiar do sol. Ouviam-se barulhos de todas as ordens: panelas, meninos a
gritar por causa do banho gelado, maquinas de costura que começavam a
trabalhar antes do desjejum. Com o primeiro apontar do sol, deixavam
suas casas rumo às escolas, fábricas, e roças.
Roças?!
Acreditem. Muitos pegavam caminhões e partiam para fazendas, não muito
distantes, para realizar o plantio e a colheita. Voltavam ao entardecer.
Corriam para o banho e a refeição, pois logo mais tarde reuniam-se na
Casa do Cristo.
Era
o point, como dizem os jovens de hoje. Sem acesso a rádio ou televisão,
lá podiam confraternizar. Muitos que permaneciam, a noite toda, nos
botecos a beber foram o deixando, pouco a pouco, para ir ao encontro do
Cristo. Manuel, dono do armazém boteco, no início, se enfureceu. Perdia a
maioria das bebidas alcóolicas que comprava. Ficavam acumuladas no
estoque, o que antes vendia como “água”.
Que
alegria do “destino” ao ver os homens daquele lugar trocar o álcool por
água, o desânimo por esperança, o desespero pela alegria de viver. Tudo
porque, agora, não estavam mais sozinhos. Estavam abençoados com a
presença do Senhor que volta a lembrar-se deles, que se achavam
esquecidos.
Nos
tempos de folga, se reuniam para deixar o local mais bonito. Plantavam
flores ao redor das casas e do salão comunitário, limpavam a rua e
fizeram, até, uma barragem para o lixo que teimava procurá-los.
Mas
não foi sempre assim. Brigavam dia e noite pelo espaço, pela sujeira,
por motivo nenhum. Alguns já moravam lá há anos e não se conheciam,
nunca haviam se falado. Eram incapazes de socorrer um que estivesse
necessitado, precisando de comida, água ou afeto e/ou uma boa conversa.
Sr.
Manuel, revoltado com a perda de parte de seu lucro, foi expiar seu
concorrente. Chegou de mansinho, na beira da janela recém-construída,
encontrou-os em silêncio, olhos fechados a rezar. Foi convidado por um
que chegou atrasado, deu de ombros e saiu. Perguntava-se: O que há de especial em ficar a orar? Um monte de beatos. Respondia a si mesmo.
No
outro dia, voltou mais cedo, ficou a espreita para ver quem chegava.
Chegavam sorridentes, se cumprimentavam, até se abraçavam, traziam as
sobras do jantar e dividiam com os que não tinham. Formavam um grupo de
conversas e, percebeu que após algumas palavras, se abraçaram e choraram
juntos. O que acontece lá dentro? Estão enfeitiçados? Questionava-se.
Passou
a observar a comunidade e percebeu como estavam diferentes. Pouco a
pouco, foram se transformando, ele nem havia tomado pé de como o lugar
estava mais agradável de viver. Amanhecia igual como todos os outros
dias, porém, há algum tempo, notara que seus clientes estavam mais
calmos, educados, menos briguentos. Estava acostumado a separar brigas
em seu pequeno estabelecimento.
Certa
vez, quebraram mercadorias, deixando um grande prejuízo. Depois deste
dia, passou a atender por uma grade que ele mesmo pregou com restos de
ripas de madeira. Via os vizinhos por entre gretas. Mal conversava com
eles, porque o espaço ficara ainda menor e era necessário atender rápido
para dar conta da fila.
Sentiu-se
só, isolado. Os outros viviam juntos, mas ele se mantinha sozinho.
Passou a observar as reuniões todas as noites, a soleira da janela,
abaixado perto da parede, tentava escutar o que diziam. O som saia
abafado, mas a sonoridade do que não compreendia ser dito lhe embalava,
fazendo-o se calmar, relaxar e até dormir.
Numa
destas cochiladas, despertou ao sorriso maroto das crianças maiores que
frequentavam a reunião. Levantou-se de sobressalto. Sentiu-se
envergonhado. Ia sair correndo, quando Rute o chamou e convidou-o a
entrar.
Primeiro
recusou, mas com o estímulo dos outros frequentadores resolveu aceitar o
convite. Entrou timidamente e olhou aquele simples lugar pela primeira
vez. Era limpo e parecia que os que lá se encontravam estavam
confortáveis, pareciam felizes e satisfeitos apesar de estarem uns em
pé, outros sentados no chão sobre papelão, esteiras ou sacos de verdura,
ou, até mesmo, no próprio assoalho. Existiam poucas cadeiras que eram
divididas e alguns bancos de madeira que acumulavam gente.
Rute
o conduziu até a frente, para onde todos dirigiam as atenções. Uma
pequena mesa, forrada por uma alva toalha branca, possuía uma jarra com
flores e outras cinco com água. Ao lado, um pequeno livro, o qual não
conhecia. Rute o fez sentar ao seu lado numa cadeira reservada para ela e
picou de pé.
Fez
uma prece, abriu o livro aleatoriamente e começou a ler. Sr. Manuel
seguiu os presentes, fechou os olhos e se concentrou na leitura,
deixando-se envolver pelas mágicas palavras, como depois as classificou.
Após a leitura, discutiram o que leram, questionaram e responderam,
novamente oraram e se despediram deixando o local após compartilharem de
água e afetos.
Ficou impressionado. Teve medo de beber a pequena quantidade de água que o ofereciam. Será magia? Porém, confiando no olhar de Rute aceitou, bebeu e sentiu-se bem. Saiu sem dizer uma única palavra.
Demorou
a dormir, refletiu sobre a noite estranha e harmoniosa que havia tido,
adormeceu resolvendo retornar no outro dia. Assim, fez todos os outros
dias.
Certa
manhã, meses depois daquele primeiro encontro com a palavra do Cristo,
seu armazém amanheceu sem grades. À tarde, foi fechado porque levou
tinta e ajudou a pintar o salão. Ágil com as madeira, convidou um grupo
para que, na folga do trabalho, o ajudasse a construir bancos de
madeira. Deixou o salão mais bonito e, verdadeiramente, mais
confortável.
Convocou
a comunidade para fazer uma horta coletiva de onde começaram a tirar o
alimento. Ninguém mais na comunidade passava fome. E os que chegavam
para visita, famintos, eram recebidos com um prato de sopa quentinha,
feita pela comunidade, com as verduras frescas colhidas na horta.
Ah!
Que beleza! Foi minha frase ao conhecer a horta comunitária, linda, bem
cuidada, desabrochando igual ao jardim que circundava as casas.
Desejei
estar vivo para participar de bela e amorosa comunidade. Não me lembro
dos vizinhos que compartilhavam a mesma rua comigo. Só de um bêbado que
gritava, algumas noites, abaixo de minha janela, e tudo que conseguia
fazer por ele era banhá-lo com agua fria, lançada janela abaixo.
Não
vi nenhum bêbado na comunidade, porém soube por Rute, quando
desdobrada, que era fato comum, algum tempo atrás. Acolhidos e ouvidos,
decidiram deixar a bebida e reunir-se ao grupo.
Envergonhei-me. Tive vontade de desparecer. Ela percebendo, pegou-me pela mão e disse:
- Este
foi o seu passado, assim, como foi o nosso. Hoje, porém, semelhante a
nós, está diferente, pois se deixou tocar pelos ensinamentos do Cristo.
Lendo meus pensamentos, respondeu-me com carinho e incentivo.
- Não
pense nas outras vidas, pois não sabe, também, como foi a minha. Cada
um de nós, espíritos, tem seu tempo, sua hora de transformação íntima.
Quando abandonamos o que não nos faz bem, pelo que nos faz melhor,
melhores humanos, melhores espíritos e, a partir daí, não paramos mais,
indo em busca de ser cada vez mais semelhantes a Deus, nosso Pai.
Abracei-a
e chorei. Um alívio no peito, uma coragem súbita, uma compreensão
amorosa me tomou, tornando-me um pouco melhor a partir daquele dia.
Um
abraço amigo, acolhedor e de incentivo, encorajando-os a reforma íntima
tão necessária, na verdade, caminho que nos leva ao adiantamento.
Gregório
25.04.12
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Fonte: CACEF - Casa de Caridade, Esperança e Fé.
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