A cessação dos fenômenos biológicos é inevitável.
Máquina sofisticada e completa, que se vem aprimorando através dos séculos, gasta-se o corpo à medida que funciona, emperrando sob as ações e condições variadas, desajustando-se por interferência de agentes perturbadores e enfermiços, por fim, transformando-se pela morte.
Essa é uma fatalidade irrecorrível, por mais se pretenda escapar-se.
Como a vida, porém, não são apenas os implementos admiráveis da constituição células, e o ser que a vitaliza seja-lhe pré-existente, compreende-se que, morrer não é extinguir-se, antes é libertar-se da temporária prisão onde se esteve, sobrevivendo-lhe à argamassa material.
Em razão da impregnação da energia espiritual pelas vibrações do campo físico, o seu apega-se ao corpo e teme perdê-lo. O adormecido da consciência profunda, na maquinaria cerebral, faz que ele esqueça com as sensações, nesse período, da sua procedência, iludindo-se mais com as sensações a que se encontra acostumado do que com as emoções transcendentes do seu estado real.
A morte assemelha-se-lhe, então, a uma interrupção definitiva da vida, ao seu aniquilamento, o que se lhe torna terrível e devastador.
Surgem, em razão disso, reações de rebeldia, de pavor ou de desinteresse, de desprezo pelo fenômeno transformador.
A expressiva massa humana, todavia, apegada às experiências fisiológicas, não se dispõe a meditar a respeito da morte, a preparar-se para ela, a entender-lhe a ocorrência.
Vivendo em uma espécie de sonho, não se propõe a despertar, transferindo mentalmente essa reflexão para um momento que, talvez, não alcance.
Vive-se no corpo, acompanhando-se-lhe a incessante, a automática transformação molecular. Morrem células aos bilhões com frequência, que são substituídas por outras; os órgãos sofrem alterações contínuas, que não são percebidas imediatamente, e somente quando o desgaste se acentua é que se notam as mudanças, a insuficiência de forças, o enfraquecimento da visão, da audição, da memória, da bomba cardíaca e de outros equipamentos vitais...
A inexorabilidade da morte está, portanto, presente na vida, e torna-se medida saudável e racional pensar-se sempre nela, no momento terminal. Equipando-se de energias morais para o enfrentamento, a liberação.
A morte não produz dor, por ser um suave deslindamento de vínculos, quando o fenômeno é natural.
Cada morte é decorrência de cada experiência de vida, sendo, então, especial e particular para cada indivíduo.
No processo biológico final, normal, morrer é uma forma de adormecer, para um consequente despertar com as mesmas características e disposições anteriores ao processo terminal fisiológico.
Ao acordar, nem coro de anjos, nem presenças satânicas aguardando, exceto para aqueles que vinculados ao que viveram, aqueles que assim se comportaram, com os Espíritos perversos e obsessores. Aqueles outros, que se iluminaram pelo bem e ascenderam aos paramos do amor, defrontam os seus amigos diletos, que os precederam e ali estão para recebe-los de volta ao lar.
Cada qual desperta com a posse da bagagem que acumulou na Terra e conduziu na mente como no sentimento. Ela dispensa os objetos, os recursos amoedados e títulos, os valores materiais que ficaram e agora se tornam motivos de lutas e usuras, de animosidade e rixas cruéis.
A verdadeira posse permanece com o seu cultivador, que deixa de ser aquele que tem para tornar-se o que é. Nesse momento, dá-se conta do que é verdadeiro ao lado daquilo que é falso; do que tem permanência e do que sofre transitoriedade; do que se transforma em asas de libertação, em detrimento do que sucumbe ao peso das paixões primitivas...
Essa avaliação é automática, rápida ou prolongada, conforme os comprometimentos morais de cada ser.
A consciência, sem anestesia, passa a comandar a razão com vigor, não mais podendo ser camuflada a verdade, ou postergado o momento de auto-análise, de autodescobrimento.
Muitas vezes, a memória, desatrelando-se dos neurônios cerebrais, recorda toda a existência, em forma regressiva, desde a desencarnação ao nascimento, fixando as lembranças infelizes, que se fazem acompanhar de dolorosos arrependimentos e mágoas, ou alegrias inefáveis, quando são ditosas essas recordações. Nesse instante, o que está feito não pode ser alterado até que se renovem os compromissos de reparação, quando negativos, ou prolongando as emoções de felicidade, quando ditoso.
A reencarnação tem como objetivo imediato facultar o desenvolvimento intelecto moral do espírito, e, ao ser ela concluída, a imediata avaliação de resultados estabelecerá os futuros empreendimentos, ficando esse período intermediário, entre o túmulo atual e o futuro berço, como preparatórios, em esfera de paz ou campo de luta.
É necessário pensar-se na morte enquanto se está no corpo; fazer-se uma análise de como se encontra e qual seria o seu estado emocional ao despertar, caso a mesma lhe chegasse nesse momento.
Valeriam a pena os apegos exorbitantes a pessoas e a coisas; as disputas por heranças perturbadoras e complicadas que ficarão; por terras e propriedades que passarão de mãos? E o cultivo do amor-próprio ferido, das vaidades enganosas, dos ódios angustiantes, dos caprichos pessoais, das exigências extravagantes, das dores desnecessárias que o egoísmo e o orgulho ocasionam?
Ver-se-á, com essas reflexões, que há muito acúmulo de entulho a que se dá valor descabido nos depósitos dos interesses pessoais da existência terrestre.
Quanto maior for a soma das paixões, das fixações fortes, dos jogos dominadores nos painéis mentais e nas emoções, mais largo será o período de aflição ante a morte e de perturbação íntima, que leva a estados infelizes de obsessão os que ficaram no corpo como legatários, os adversários, os amores desequilibrados, os disputadores das coisas e posses.
É necessário um treino moral para libertar-se do que não se pode conduzir, doando-se, transferindo-se com alegria para outrem, ou deixando-se sem saudades nem amarguras todas as coisas.
Uma reflexão diária sobre a morte ajuda a partida de todos que, inevitavelmente, viajarão para o país de sua origem, de onde volverão de retorno ao mundo, no futuro, em algemas ou inteiramente livres para a preparação de sua plenitude.
Manoel Philomeno de Miranda
(Sob a Proteção de Deus)
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