Revista Espírita, fevereiro de 1864
(Sociedade Espírita de Paris. Médium, senhorita A. C.)
Publicado na Revista Espírita – Jornal de Estudos Psiclógicos –
Publicado na Revista Espírita – Jornal de Estudos Psiclógicos –
7º ano – Nº 1 – Janeiro de 1864
1ª Edição – 1995 – Instituto de Difusão Espírita
1ª Edição – 1995 – Instituto de Difusão Espírita
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I – Limites da reencarnação.
A reencarnação é necessária enquanto a matéria domina o Espírito; mas
do momento em que o Espírito encarnado chegou a dominar a matéria e
anular os efeitos de sua reação sobre o moral, a reencarnação não tem
mais nenhuma utilidade nem razão de ser. Com efeito, o corpo é
necessário ao Espírito para o trabalho progressivo até que, tendo
chegado a manejar esse instrumento à sua maneira, a lhe imprimir a sua
vontade, o trabalho está realizado. É-lhe preciso, então, um outro campo
para a sua caminhada, para o seu adiantamento no infinito; lhe é
preciso um outro círculo de estudos onde a matéria grosseira das esferas
inferiores seja desconhecida. Tendo sobre a Terra, ou em globos
análogos, depurado e experimentado suas sensações, está maduro para a
vida espiritual e seus estudos. Tendo se elevado acima de todas as
sensações corpóreas, não tem mais nenhum desses desejos ou necessidades
inerentes à corporeidade: ele é Espírito e vive pelas sensações
espirituais que são infinitamente mais deliciosas do que as mais
agradáveis sensações corpóreas.
II – A reencarnação e as aspirações do homem.
As aspirações da alma ocasionam a sua realização, e esta realização
se cumpre na reencarnação enquanto o Espírito está no trabalho material;
eu me explico. Tomemos o Espírito em seu início na carreira humana;
estúpido e bruto, sente, no entanto, a centelha divina nele, uma vez que
adora um Deus, que ele materializa segundo a sua materialidade. Nesse
ser, ainda vizinho do animal, há uma aspiração instintiva, quase
inconsciente, rumo a um estado menos inferior. Começa por desejar
satisfazer seus apetites materiais, e inveja aqueles que vê num estado
melhor do que o seu; também, numa encarnação seguinte, ele mesmo
escolhe, ou antes, é arrastado a um corpo mais aperfeiçoado; e sempre,
em cada uma de suas existências, deseja uma melhoria material; não se
achando jamais feliz, quer sempre subir, porque a aspiração à felicidade
é a grande alavanca do progresso.
À medida que suas sensações corpóreas se tornam maiores, mais
refinadas, suas sensações espirituais despertam e crescem também. Então o
trabalho moral começa, e a depuração da alma se une à aspiração do
corpo para chegar ao estado superior.
Esse estado de igualdade das aspirações materiais e espirituais não é
de longa duração; logo o Espírito se eleva acima da matéria, e suas
sensações não podem ser satisfeitas por ela; é-lhe preciso mais; lhe é
preciso o melhor; mas aí o corpo, tendo sido levado à sua perfeição
sensitiva, não pode seguir o Espírito, que então o domina e dele se
desliga cada vez mais, como um instrumento inútil. Volta todos os seus
desejos, todas as suas aspirações, para um estado superior; sente que as
necessidades corpóreas, que lhe eram um objeto de felicidade em suas
satisfações, não são mais do que uma tortura, um rebaixamento, do que
uma triste necessidade da qual aspira se libertar para gozar, sem
entraves, de todas as felicidades espirituais que ele pressente.
III – Ação dos fluidos na reencarnação.
Sendo os fluidos os agentes que colocam em movimento o nosso aparelho
corpóreo, são eles também que são os elementos de nossas aspirações,
porque há fluidos corpóreos e fluidos espirituais, que todos tendem a se
elevarem e se unirem aos fluidos da mesma natureza. Esses fluidos
compõem o corpo espiritual do Espírito que, no estado encarnado, age por
eles sobre a máquina humana que está encarregado de aperfeiçoar, porque
tudo é trabalho na criação, tudo concorre para o adiantamento geral.
O Espírito tem seu livre arbítrio, e procura sempre o que lhe é
agradável e o satisfaz. Se é um Espírito inferior e material, procura
suas satisfações na materialidade, e então dará um impulso aos seus
fluidos corpóreos que dominarão, mas tenderão sempre a crescer e a se
elevar materialmente; portanto, as aspirações desse encarnado são
materiais, e, retornado ao estado de Espírito, procurará uma nova
encarnação onde satisfará as suas necessidades e seus desejos materiais;
porque, notai bem, a aspiração corpórea não pode pedir, como
realização, senão uma nova corporeidade, ao passo que a aspiração
espiritual não se prende senão às sensações do Espírito. Ela será
solicitada por seus fluidos que deixou se materializarem; e como no ato
da reencarnação os fluidos agem para atrair o Espírito ao corpo que foi
formado, houve, pois, atração e união dos fluidos, a reencarnação se
opera em condições que darão satisfação às aspirações de sua existência
precedente.
Ocorre o mesmo com os fluidos espirituais com os fluidos materiais,
se são eles que dominam; mas então, quando o espiritual se sobrepôs
sobre o material, o Espírito, que julga diferentemente, escolhe ou é
atraído por simpatias diferentes; como lhe é necessária a depuração, e
que não é senão pelo trabalho que a alcança, as encarnações escolhidas
são mais penosas para ele, porque, depois de haver dado a supremacia à
matéria e aos seus fluidos, lhe é necessário constrangê-la, lutar com
ela e dominá-la. Daí essas existências tão dolorosas e que parecem,
frequentemente, tão injustas, infligidas a Espíritos bons e
inteligentes. Aqueles fazem sua última etapa corpórea e entram, saindo
deste mundo, nas esferas superiores onde suas aspirações superiores
acharão a sua realização.
IV – As afeições terrestres e a reencarnação.
O dogma da reencarnação indefinida encontra oposições no coração do
encarnado que ama, porque em presença dessa infinidade de existências,
produzindo cada uma delas novos laços, pergunta-se com medo o que se
tornam as afeições particulares, e se elas não se fundem num único amor
geral, o que destruiria a persistência da afeição individual.
Pergunta-se se essa afeição individual não é somente um meio de
adiantamento, e então o desencorajamento se insinua em sua alma, porque a
verdadeira afeição sente a necessidade de um amor eterno, sentindo que
não se deixará jamais de amar. O pensamento de milhares dessas afeições
idênticas lhe parece uma impossibilidade, mesmo admitindo faculdades
maiores para o amor.
O encarnado que estuda seriamente o Espiritismo, sem tomar partido
por um sistema antes que por um outro, se encontra arrastado para a
reencarnação pela justiça que decorre do progresso e do adiantamento do
Espírito em cada nova existência; mas quando o estuda do ponto de vista
das afeições do coração, duvida e se atemoriza apesar dele. Não podendo
colocar de acordo esses dois sentimentos, se diz que ali ainda tem um
véu a levantar, e seu pensamento nesse trabalho atrai as luzes dos
Espíritos para concordar seu coração e sua razão.
Eu disse precedentemente: a encarnação se detém lá onde a
materialidade é anulada. Mostrei como o progresso material havia de
início refinado as sensações corpóreas do Espírito encarnado; como o
progresso espiritual, tendo vindo em seguida, havia contrabalançado a
influência da matéria, depois a havia, enfim, subordinado à sua vontade,
e, que chegado a esse grau de domínio espiritual, a corporeidade não
tinha mais razão de ser, o trabalho estando realizado.
Examinemos agora a questão da afeição sob esses dois aspectos, material e espiritual.
De início, o que é a afeição, o amor? Ainda a atração fluídica
atraindo dois seres um para o outro, e unindo-os num mesmo sentimento.
Essa atração pode ser de duas naturezas diferentes, uma vez que os
fluidos são de duas naturezas. Mas para que a afeição persista
eternamente, é preciso que ela seja espiritual e desinteressada; é
preciso a abnegação, o devotamento, e que nenhum sentimento pessoal seja
o móvel desse arrastamento simpático. Do momento em que haja, nesse
sentimento, personalidade, há materialidade; ora, nenhuma afeição
material persiste nos domínios do Espírito. Portanto, toda afeição que
não seja senão o resultado do instinto animal ou do egoísmo, se destrói à
morte terrestre. Também, que seres supostamente amados são esquecidos
depois de pouco tempo de separação! Vós os haveis amado por vós e não
por eles, aqueles que não são mais, uma vez que os esquecestes e
substituístes; procurastes a consolação no esquecimento; eles se vos
tornam indiferentes, porque não tendes mais amor.
Contemplai a Humanidade, e vede o quanto há pouca afeição verdadeira
sobre a Terra! Também não se deve tanto se amedrontar com a
multiplicidade das afeições contraídas nesse mundo; elas são em minoria
relativa, mas existem, e as que são reais persistem e se perpetuam sob
todas as formas, sobre a Terra, de início, depois continuam no estado de
Espírito numa amizade ou um amor inalterável, que não faz senão crescer
em se elevando mais.
Vamos estudar esta verdadeira afeição: a afeição espiritual.
A afeição espiritual tem por base a afinidade fluídica espiritual,
que, agindo sozinha, determina a simpatia. Quando ocorre assim, é a alma
que ama a alma, e essa afeição não toma força senão pela manifestação
dos sentimentos da alma. Dois Espíritos unidos espiritualmente se
procuram e tendem sempre a se aproximarem; seus fluidos são atrativos.
Que estejam num mesmo globo, serão levados um para o outro; que estejam
separados pela morte terrestre, seus pensamentos se unirão na lembrança,
e a união se fará na liberdade do sono; e quando a hora de uma nova
encarnação soar para um deles, procurará se aproximar de seu amigo
entrando nisso que é sua filiação material, e fá-lo-á com tanto mais
facilidade quanto seus fluidos perispirituais materiais encontrarem
afinidade na matéria corpórea dos encarnados que deram a luz ao novo
ser. Dai um novo aumento da afeição, uma nova manifestação do amor. Tal
Espírito amigo vos amou como pai, vos amará como filho, como irmão ou
como amigo, e cada um desses laços aumentará de encarnação em
encarnação, e se perpetuará de maneira inalterável quando, vosso
trabalho estando feito, vivereis da vida do Espírito.
Mas essa verdadeira afeição não é comum sobre a Terra, e a matéria
vem retardá-la, anulando-lhe os efeitos, segundo ela domine o Espírito. A
verdadeira amizade, o verdadeiro amor sendo espiritual, tudo o que se
relaciona com a matéria não é de sua natureza, nem concorre em nada para
a identificação espiritual. A afinidade persiste, mas fica no estado
latente até que o fluido espiritual se sobrepondo, o progresso simpático
se efetue de novo. Para me resumir, a afeição espiritual é a única
resistência no domínio do Espírito; sobre a Terra e nas esferas de
trabalho corpóreo, ela concorre para o adiantamento moral do Espírito
encarnado que, sob a influência simpática, cumpre milagres de abnegação e
de devotamento pelos seres amados. Aqui, nas moradas celestes, ela é a
satisfação completa de todas as aspirações, e a maior felicidade que o
Espírito possa sentir.
V – O progresso entravado pela reencarnação indefinida.
Até aqui a reencarnação foi admitida de um modo muito prolongado; não
se pensou senão nessa prolongação da corporeidade, embora cada vez
menos material, ocasionando, no entanto, necessidades que deviam
entravar o vôo do Espírito. Com efeito, admitindo a persistência da
geração nos mundos superiores, atribui-se ao Espírito encarnado
necessidades corpóreas, dão-lhe deveres e ocupações ainda materiais que
constrangem e detêm o impulso dos estudos espirituais. Que necessidade
desses entraves? O Espírito não pode gozar as felicidades do amor sem
sofrer as enfermidades corpóreas? Sobre a própria Terra, esse sentimento
existe por si mesmo, independente da parte material de nosso ser; os
exemplos, embora sejam raros, estão aí, suficientes para provar que deve
ser sentido mais geralmente entre os seres mais espiritualizados.
A reencarnação ocasiona a união dos corpos, o amor puro somente a
união das almas. Os Espíritos se unem segundo suas afeições começadas
nos mundos inferiores, e trabalham juntos para o seu adiantamento
espiritual. Eles têm uma organização fluídica muito diferente daquela
que era a consequência de seu aparelho corpóreo, e seus trabalhos se
exercem sobre os fluidos e não sobre os objetos materiais. Vão em
esferas que, também elas, cumpriram seu período material, em esferas
cujo trabalho humano levou a desmaterialização, e que, chegados ao
apogeu de seu aperfeiçoamento, também passaram por uma transformação
superior, que os torna próprios para sofrer outras modificações, mas num
sentido todo fluídico.
Compreendeis, desde hoje a força imensa do fluido, força que não
podeis senão constatar, mas que não vedes nem apalpais. Num estado menos
pesado do que aquele em que estais, teríeis outros meios de ver, de
tocar, de trabalhar esse fluido que é o grande agente da vida universal.
Porque, pois, o Espírito teria ainda necessidade de um corpo que está
fora das apreciações corpóreas? Dir-me-eis que esse corpo está em
relação com os novos trabalhos que o Espírito terá que cumprir; mas uma
vez que esses trabalhos serão todo fluídicos e espirituais nas esferas
superiores, por que dar-lhe o embaraço das necessidades corpóreas,
porque a reencarnação ocasiona sempre, como eu o disse, geração e
alimentação, quer dizer, necessidade da matéria a satisfazer, e, em
compensação, entraves para o Espírito. Compreendeis que o Espírito deve
ser livre em seu vôo para o infinito; compreendeis que tendo saído dos
cueiros da matéria, ele aspira, como a criança, a caminhar e correr sem
ser contido pelas andadeiras maternas, e que essas primeiras
necessidades da primeira educação da criança são supérfluas para a
criança crescida, e insuportáveis ao adolescente. Não desejeis, pois,
permanecer na infância; considerai-vos como alunos fazendo seus últimos
estudos escolares, e se dispondo a entrar no mundo, e a ter nele seu
lugar, e a começar os trabalhos de um outro gênero que seus estudos
preliminares terão facilitado.
O Espiritismo é a alavanca que levantará de um pulo ao estado
espiritual todo encarnado que, querendo bem compreendê-lo e pô-lo em
prática, se ligará em dominar a matéria, a dela se tornar senhor, a
aniquilá-la; todo Espírito de boa vontade pode se colocar em estado de
passar, deixando este mundo, ao estado espiritual sem retorno terrestre;
somente, lhe é preciso a fé ou vontade ativa. O Espiritismo a dá a
todos aqueles que querem compreendê-lo em seu sentido moralizador.
Um espírito protetor do médium.
Nota.
- Esta comunicação não leva outra assinatura senão esta acima, o que
prova que não há necessidade de haver tido um nome célebre sobre a Terra
para ditar boas coisas.
Resumo:
A vida do Espírito, considerada do ponto de vista do progresso, apresenta três períodos principais, a saber:
1º- O período material onde a influência da matéria domina a do
Espírito; é o estado dos homens dados às paixões brutais e carnais, à
sensualidade; cujas aspirações são exclusivamente terrestres, que são
apegados aos bens temporais, ou refratários às ideias espiritualistas.
2º – O período de equilíbrio; aquele em que as influências da matéria
e do Espírito se exercem simultaneamente; onde o homem, embora
submetido às necessidades materiais, pressente e compreende o estado
espiritual; onde ele trabalha para sair do estado corpóreo.
Nesses dois períodos o Espírito está submetido à reencarnação, que se cumpre nos mundos inferiores e medianos.
3º – O período espiritual aquele em que o Espírito, tendo dominado
completamente a matéria, não tem mais necessidade da encarnação nem do
trabalho material, seu trabalho é todo espiritual; é o estado dos
Espíritos nos mundos superiores.
A facilidade com a qual certas pessoas aceitam as ideias espíritas,
das quais parecem ter a intuição, indica que pertencem ao segundo
período; mas entre estas e as outras há uma multidão de graus que o
Espírito atravessa tanto mais rapidamente quanto mais próximo estiver do
período espiritual; é assim que, de um mundo material como a Terra, ele
pode ir habitar um mundo superior, como Júpiter, por exemplo, se seu
adiantamento moral e espiritual for suficiente para dispensá-lo de
passar pelos graus intermediários. Depende, pois, do homem deixar a
Terra sem retorno, como mundo de expiação e de prova para ele, ou não
retornar a ela senão em missão.
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Fonte: Centro Espírita Batuira
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