Eternidade

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domingo, 24 de junho de 2018

O sentido condicional dos ensinos de Jesus

O sentido condicional 

dos ensinos de

Jesus

Deolindo Amorim¹

"A cada um será dado de acordo com as suas obras".
Jesus (Mateus, 16:27)  

Nas relações humanas como nas relações espirituais, não há efeito sem causa, portanto, é claro que cada um responde, cedo ou tarde, pelo mal que houver feito. 

Se assim é, para o espírita não há outro caminho senão o bem, a honestidade, a retidão de consciência, porque o espírita é o primeiro a saber que, pelo processo das vidas sucessivas ou reencarnação, todas as suas mazelas, assim como as suas boas obras, participam de seu acervo espiritual, não foram sepultadas no túmulo.

O "antes" e o "depois" também se aplicam ao Evangelho, pois as suas mais belas sentenças, justamente aquelas que mais tocam nas fibras do coração humano, são formuladas em dois termos: antecedente e consequente. Há sempre, um sentido de subordinação ou de dependência: isto depende daquilo; para obter aquilo é necessário que se faça isto, e assim por diante. Nada, portanto, é arbitrário na palavra de Jesus, pois os Seus mandamentos não se sobrepõem às leis nem às contingências inerentes à vida. Eis, aqui, por exemplo, uma passagem das mais ilustrativas:² buscai primeiro o Reino de Deus, e Sua justiça e todas as coisas vos serão acrescentadas. 

Dessa passagem evangélica decorrem duas ações sucessivas: a primeira é a ação de buscar o Reino de Deus, o que significa esforço, trabalho; a segunda é a ação de receber as coisas por acréscimo, como consequência das qualidades adquiridas pelo esforço próprio. A que coisas se referia o Cristo? Não se deve entender a designação indeterminada de coisas no sentido vulgar de objetos comezinhos, como não se deve tomar a expressão de Jesus na acepção banal de dar sorte na loteria etc. O ensino evangélico alude às coisas indispensáveis ao equilíbrio do homem, em suas relações com a Natureza e a Justiça Divina. Coisas, então, no sentido de aquisições essenciais à dignidade da vida.

Seja como for, é uma forma de condicionamento, como tantas outras, e sem azo para qualquer fuga: se o homem quer viver em paz com a sua consciência, se quer ser feliz, deve proceder com justiça, ser honesto, respeitar as leis da Natureza e praticar o bem. Sem essa condição inadiável, as "coisas" prometidas pelo Cristo não lhe serão acrescentadas. Uma situação depende da outra. Qual a conclusão prática de tudo isto? Simplesmente esta: ninguém conquista o Reino sem trabalho, sem reforma íntima, sem modificar os sentimentos ou sem destruir as paixões. Ensina-se, aí, aquilo mesmo que está nas linhas gerais da Codificação do Espiritismo: sem o trabalho não há progresso espiritual. Esta moral, que é a moral da ação e do mérito, é muito mais racional, mais compreensível do que a moral das graças caídas do céu e dos privilégios divinos. Se o indivíduo tem a consciência impura, se os seus sentimentos são maus, não pode implantar o "reino divino" dentro de si, por mais que faça penitências ou ainda que se ponha de joelhos na praça pública. O passo inicial é a transformação interior, tudo o mais são artifícios. É assim, e somente assim, que compreendemos o espírito do Evangelho, interpretado à luz da filosofia espírita. Podemos, agora, deduzir que a concordância da Doutrina Espírita com a moral do Evangelho impõe a cada um de nós, pelo conhecimento já acumulado, um estilo de vida que, sem esquisitice, sem extravagâncias nem farisaísmo, aproxime-se cada vez mais do tipo normal do homem de bem. E qual é a representação ideal do homem de bem, segundo os padrões morais do Espiritismo? Diz a Doutrina Espírita: ³

"O verdadeiro homem de bem é aquele que pratica a lei de justiça, de amor, de caridade na sua maior pureza. Se interroga a sua consciência em relação aos próprios atos, a si mesmo pergunta se não violou a lei; se não ocasionou prejuízos; se fez todo o bem que lhe era possível; se desprezou voluntariamente de ser útil; se alguém lhe tem queixas; se fez aos outros como quereria que lhe fizessem."

Nisto consiste toda a síntese normativa do Espiritismo. É o pensamento fundamental de Allan Kardec, resumido nestas palavras inconfundíveis: "Conhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral."4


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¹ Amorim, Deolindo. O Espiritismo e as doutrinas espiritualistas. Rio de Janeiro: CELD, 1989, cap. II, pp.61-63.
² Mateus, 6:33.
³ Kardec, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 125. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006, cap. XVII, item 3.
Ibidem, item 4.  

 Fonte: Revista Presença Espírita nº 317, novembro/dezembro 2016. 

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