Eternidade

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quarta-feira, 27 de junho de 2018

A persistência da fascinação


Um grave tipo de obsessão

Ailton Barcelos

Allan Kardec diz que a mediunidade é simplesmente uma aptidão para servir de instrumento mais ou menos maleável aos Espíritos em geral (Kardec, 2002). Por isso mesmo, os médiuns não devem se vangloriar de terem assumido suas responsabilidades morais na condição de trabalhadores da última hora, comprometidos com os benfeitores da humanidade que neles confiaram, deixando-se sucumbir aos tormentos da fascinação sutil ou extravagante (Franco, 2012a; Franco, 2015).

Novos missionários surgem de um para outro momento, a si mesmos atribuindo realizações superiores e mergulhando em tormentosas obsessões por fascinação, assim como se apresentam novidades estapafúrdias que levam o bom nome da doutrina ao ridículo, pela maneira como são expostas as teses infelizes, nascidas na vaidade daqueles que são médiuns ou não (Franco, 2012b).

A atividade mediúnica, para Manoel Philomeno de Miranda, constitui oportunidade abençoada para o aperfeiçoamento intelecto-moral do indivíduo, que se permitiu cometer equívocos em reencarnações anteriores, comprometendo-se em lamentáveis situações espirituais (Franco, 2012a). Para o autor, a mediunidade é uma oportunidade especial para a autorecuperação, devendo ser utilizada de maneira dignificante, em cujo ministério de amor e de caridade será encontrada a diretriz de segurança para o reequilíbrio do ser humano.

Tais indivíduos preservam comportamentos egotistas, comprazendo-se em vivenciar mecanismos de evasão da realidade, transferindo os conflitos para a aparência de superioridade, acreditando-se – ou fingem acreditar – portadores de vida irretocável (Franco, 2012a).

Para Kardec, em O Livro dos Médiuns, o perigo está na orgulhosa propensão de certos médiuns para, muito levianamente, se julgarem instrumentos exclusivos de Espíritos superiores, nessa espécie de fascinação que lhes não se permitem compreender as tolices de que são intérpretes.

A fascinação é um grave tipo de obsessão, e pode ser definida como uma ilusão produzida pela ação direta do Espírito sobre o pensamento do médium e que, de certa maneira, lhe paralisa o raciocínio, relativamente às comunicações (Kardec, 2003). Dessa forma:

O médium fascinado não acredita que o estejam enganando: o Espírito tem a arte de lhe inspirar confiança cega, que o impede de ver o embuste e de compreender o absurdo do que escreve, ainda quando esse absurdo salte aos olhos de toda gente. A ilusão pode mesmo ir até ao ponto de o fazer achar sublime a linguagem mais ridícula. Fora erro acreditar que a este gênero de obsessão só estão sujeitas as pessoas simples, ignorantes e baldas de senso. Dela não se acham isentos nem os homens de mais espírito, os mais instruídos e os mais inteligentes sob outros aspectos, o que prova que tal aberração é efeito de uma causa estranha, cuja influência eles sofrem.” (Kardec, 2003, p. 156)

Suely Caldas Schubert diz que existem várias modalidades de fascinação. Assim como ocorre com os outros gêneros de obsessão, também a fascinação é exercida não somente por Espíritos desencarnados visando os encarnados, mas igualmente de encarnado para encarnado, de desencarnado para desencarnado, de encarnado para desencarnado, e ainda pode exercer-se de um encarnado sobre si próprio: a autofascinação (Schubert, 1981, p, 13). Para a autora, a fascinação pode ser encontrada em diferentes gradações, chegando-se a ser tão sutil que pode passar despercebida, assumindo caráter de verdadeira subjugação.

Na fascinação, para Hermínio Miranda, o agente espiritual atua diretamente sobre o pensamento de sua vítima, inibindo-lhe o raciocínio e levando-a à perigosa convicção de que as ideias que expressa provêm de um Espírito de elevado gabarito intelectual e moral (Miranda, 1984). Para o autor, seu engano é evidente a todos, menos a ele próprio, que segue fascinado e servil ao Espírito que se apoderou sutilmente de sua mente. Para Manoel Philomeno de Miranda, a tomada na qual se encontra o plugue obsessivo está no egoísmo e no temperamento especial, que lhe constituem os grandes desafios a vencer durante a conjuntura reencarnacionista (Franco, 2012a).

A inferioridade e as dívidas do passado são fatores que tornam o indivíduo predisposto ao mecanismo da fascinação (Schubert, 1981). Ao iniciar-se o processo da reencarnação, o indivíduo tem impresso no seu código genético as deficiências defluentes de irresponsabilidades e dívidas do passado, que se apresentarão no futuro em momento próprio como descompensação nervosa, carência ou excesso de moléculas neurônicas (neuropeptídeos) responsáveis pelos correspondentes transtornos psicológicos ou de outra natureza.

Para M. P. Miranda, as vítimas são atraídas pela irradiação inferior do ódio ou do ressentimento, da ira ou da vingança que permeia o perispírito do seu antigo algoz, produzindo-lhe desarmonia vibratória, que resulta em perturbação dos sistemas nervosos central e endócrino, abrindo espaço para a consumação dos funestos planos de vingança (Franco, 2006). Simultaneamente, o Espírito fascinador atua na mente da vítima, direcionando à mente do hospedeiro físico induções hipnóticas carregadas de pessimismo e de desconfiança, de inquietação e de mal-estar, interrompendo o fluxo dos seus pensamentos e interferindo com a sua própria onda mental (Schubert, 1981; Franco, 2006). Para Schubert (1981), a pessoa visada passa a ter o seu pensamento controlado e cerceado, o que, de certa maneira lhe paralisa o raciocínio. Ainda para autora, o perseguidor utiliza então a repetição constante de suas ideias, configurando-se assim a hipnose, que leva o fascinado a agir teleguiado pelo ser invisível.

Nenhum médium se encontra livre da fascinação lançada por entidades obsessoras, já que a trilha da vivência mediúnica é cheia de perigos, impondo cuidado (Franco, 2000). Tal processo de fascinação é muito mais comum do que se pode imaginar (Schubert, 1981; Franco, 2006). Tais entidades acabam por ter o objetivo de criar dificuldades ao progresso da Doutrina Espírita, e nada melhor para alcançar esse intento do que utilizar os próprios espíritas, partindo do princípio que toda casa dividida desmorona (Schubert, 1981).

Kardec, citando o caso da fascinação, diz que esta pessoa é infinitamente mais rebelde do que a mais violenta subjugação, uma vez se encontra seduzida pelo Espírito que a domina, persistindo no que é conduzido e repelindo toda assistência (Kardec, 2003).

Para Schubert (1981), dificilmente o fascinado irá admitir que está sendo alvo de obsessores e que não precisa de tratamento espiritual, já que ele está convencido que não é igual a outras pessoas. Para a autora, o estudo da Doutrina Espírita, das obras básicas da codificação feita em grupo, seria o primeiro passo para o seu despertamento e conscientização, mas aquele que é alvo de Espíritos fascinadores foge a todo custo de qualquer tipo de estudo sério, afastando-se de todos aqueles que o passam esclarecer e ajudar. Além do mais, esse estudo, disciplinado e constante, de tal modo que possibilite a assimilação de seus postulares, o que, por certo, ocasionará a nossa transformação moral, princípio básico do espírita.

Para M. P. Miranda, a terapia de recuperação dessas pessoas se inicia pela vigilância, vivenciando a humildade e tendo a coragem de bloquear e interromper a interferência nefasta, descendo do palanque de sua superioridade que se acredita, para a planície das criaturas comuns e frágeis, onde ele se deve situar (Franco, 2000).

Para Schubert (1981), mais do que outros obsedados, o fascinado precisa receber por meio do diálogo todos os esclarecimentos imprescindíveis ao seu tratamento, e ser conscientizado de sua própria participação neste processo, sendo essencial que ele sinta que todos estamos em aprendizado constante.

Além disso, é fundamental nos conscientizarmos de nossa realidade espiritual, que somos aprendizes imperfeitos das primeiras letras do conhecimento universal (Schubert, 1981).

Por fim, como nos diz Manoel Philomeno de Miranda, Franco (2012a), a fascinação ainda é persistente nas casas espíritas pela falta de vigilância e humildade de todos nós, que ainda não compreendemos que a mediunidade é uma oportunidade especial para a autorrecuperação e equilíbrio, devendo ser utilizada de maneira dignificante, com amor e caridade.

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– Franco, D. Temas da Vida e da Morte. Pelo Espírito Manoel P. de Miranda. 1.ed. Salvador: FEB, 1996.
– Franco, D. Fascinação Obsessiva. Pelo Espírito Manoel P. de Miranda. In: Reformador, ano 118, n. 2.051, fev. 2000, p. 37.
– Franco, D. Reencontro com a Vida. Pelo Espírito Manoel P. de Miranda. 1.ed. Salvador: LEAL, 2006.
– Franco, D. Mediunidade: Desafios e Bênçãos. Pelo Espírito Manoel P. de Miranda. 1.ed. Salvador: LEAL, 2012a.
– Franco, D. Amanhecer de Uma Nova Era. Pelo Espírito Manoel P. de Miranda. 1.ed. Salvador: LEAL, 2012b.
– Franco, D. Perturbações Espirituais. Pelo Espírito Manoel P. de Miranda. 1.ed. Salvador: LEAL, 2015.
– Kardec, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. 120.ed. Rio de Janeiro: FEB, 2002.
– Kardec, A. O Livros dos Médiuns. Trad. Guillon Ribeiro. 71.ed. Rio de Janeiro: FEB, 2003.
– Miranda, H. C. Diálogos com as Sombras: Teoria e Prática da Doutrinação. Rio de Janeiro: FEB, 1984.
– Schubert, S. C. Os Perigos da Fascinação. In: Reformador, ano 99, n. 1.833, dez. 1981, p. 369-373.

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Fonte: Revista Internacional de Espiritismo, abril/2018

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