Um grave tipo de obsessão
Ailton Barcelos
Allan Kardec diz que a mediunidade é simplesmente uma aptidão para 
servir de instrumento mais ou menos maleável aos Espíritos em geral 
(Kardec, 2002). Por isso mesmo, os médiuns não devem se vangloriar de 
terem assumido suas responsabilidades morais na condição de 
trabalhadores da última hora, comprometidos com os benfeitores da 
humanidade que neles confiaram, deixando-se sucumbir aos tormentos da 
fascinação sutil ou extravagante (Franco, 2012a; Franco, 2015).
Novos
 missionários surgem de um para outro momento, a si mesmos atribuindo 
realizações superiores e mergulhando em tormentosas obsessões por 
fascinação, assim como se apresentam novidades estapafúrdias que levam o
 bom nome da doutrina ao ridículo, pela maneira como são expostas as 
teses infelizes, nascidas na vaidade daqueles que são médiuns ou não 
(Franco, 2012b).
A atividade mediúnica, para Manoel Philomeno de 
Miranda, constitui oportunidade abençoada para o aperfeiçoamento 
intelecto-moral do indivíduo, que se permitiu cometer equívocos em 
reencarnações anteriores, comprometendo-se em lamentáveis situações 
espirituais (Franco, 2012a). Para o autor, a mediunidade é uma 
oportunidade especial para a autorecuperação, devendo ser utilizada de 
maneira dignificante, em cujo ministério de amor e de caridade será 
encontrada a diretriz de segurança para o reequilíbrio do ser humano.
Tais
 indivíduos preservam comportamentos egotistas, comprazendo-se em 
vivenciar mecanismos de evasão da realidade, transferindo os conflitos 
para a aparência de superioridade, acreditando-se – ou fingem acreditar –
 portadores de vida irretocável (Franco, 2012a).
Para Kardec, em O
 Livro dos Médiuns, o perigo está na orgulhosa propensão de certos 
médiuns para, muito levianamente, se julgarem instrumentos exclusivos de
 Espíritos superiores, nessa espécie de fascinação que lhes não se 
permitem compreender as tolices de que são intérpretes.
A 
fascinação é um grave tipo de obsessão, e pode ser definida como uma 
ilusão produzida pela ação direta do Espírito sobre o pensamento do 
médium e que, de certa maneira, lhe paralisa o raciocínio, relativamente
 às comunicações (Kardec, 2003). Dessa forma:
“O médium fascinado 
não acredita que o estejam enganando: o Espírito tem a arte de lhe 
inspirar confiança cega, que o impede de ver o embuste e de compreender o
 absurdo do que escreve, ainda quando esse absurdo salte aos olhos de 
toda gente. A ilusão pode mesmo ir até ao ponto de o fazer achar sublime
 a linguagem mais ridícula. Fora erro acreditar que a este gênero de 
obsessão só estão sujeitas as pessoas simples, ignorantes e baldas de 
senso. Dela não se acham isentos nem os homens de mais espírito, os mais
 instruídos e os mais inteligentes sob outros aspectos, o que prova que 
tal aberração é efeito de uma causa estranha, cuja influência eles 
sofrem.” (Kardec, 2003, p. 156)
Suely Caldas Schubert diz que 
existem várias modalidades de fascinação. Assim como ocorre com os 
outros gêneros de obsessão, também a fascinação é exercida não somente 
por Espíritos desencarnados visando os encarnados, mas igualmente de 
encarnado para encarnado, de desencarnado para desencarnado, de 
encarnado para desencarnado, e ainda pode exercer-se de um encarnado 
sobre si próprio: a autofascinação (Schubert, 1981, p, 13). Para a 
autora, a fascinação pode ser encontrada em diferentes gradações, 
chegando-se a ser tão sutil que pode passar despercebida, assumindo 
caráter de verdadeira subjugação.
Na fascinação, para Hermínio 
Miranda, o agente espiritual atua diretamente sobre o pensamento de sua 
vítima, inibindo-lhe o raciocínio e levando-a à perigosa convicção de 
que as ideias que expressa provêm de um Espírito de elevado gabarito 
intelectual e moral (Miranda, 1984). Para o autor, seu engano é evidente
 a todos, menos a ele próprio, que segue fascinado e servil ao Espírito 
que se apoderou sutilmente de sua mente. Para Manoel Philomeno de 
Miranda, a tomada na qual se encontra o plugue obsessivo está no egoísmo
 e no temperamento especial, que lhe constituem os grandes desafios a 
vencer durante a conjuntura reencarnacionista (Franco, 2012a).
A 
inferioridade e as dívidas do passado são fatores que tornam o indivíduo
 predisposto ao mecanismo da fascinação (Schubert, 1981). Ao iniciar-se o
 processo da reencarnação, o indivíduo tem impresso no seu código 
genético as deficiências defluentes de irresponsabilidades e dívidas do 
passado, que se apresentarão no futuro em momento próprio como 
descompensação nervosa, carência ou excesso de moléculas neurônicas 
(neuropeptídeos) responsáveis pelos correspondentes transtornos 
psicológicos ou de outra natureza.
Para M. P. Miranda, as vítimas 
são atraídas pela irradiação inferior do ódio ou do ressentimento, da 
ira ou da vingança que permeia o perispírito do seu antigo algoz, 
produzindo-lhe desarmonia vibratória, que resulta em perturbação dos 
sistemas nervosos central e endócrino, abrindo espaço para a consumação 
dos funestos planos de vingança (Franco, 2006). Simultaneamente, o 
Espírito fascinador atua na mente da vítima, direcionando à mente do 
hospedeiro físico induções hipnóticas carregadas de pessimismo e de 
desconfiança, de inquietação e de mal-estar, interrompendo o fluxo dos 
seus pensamentos e interferindo com a sua própria onda mental (Schubert,
 1981; Franco, 2006). Para Schubert (1981), a pessoa visada passa a ter o
 seu pensamento controlado e cerceado, o que, de certa maneira lhe 
paralisa o raciocínio. Ainda para autora, o perseguidor utiliza então a 
repetição constante de suas ideias, configurando-se assim a hipnose, que
 leva o fascinado a agir teleguiado pelo ser invisível.
Nenhum 
médium se encontra livre da fascinação lançada por entidades obsessoras,
 já que a trilha da vivência mediúnica é cheia de perigos, impondo 
cuidado (Franco, 2000). Tal processo de fascinação é muito mais comum do
 que se pode imaginar (Schubert, 1981; Franco, 2006). Tais entidades 
acabam por ter o objetivo de criar dificuldades ao progresso da Doutrina
 Espírita, e nada melhor para alcançar esse intento do que utilizar os 
próprios espíritas, partindo do princípio que toda casa dividida 
desmorona (Schubert, 1981).
Kardec, citando o caso da fascinação, 
diz que esta pessoa é infinitamente mais rebelde do que a mais violenta 
subjugação, uma vez se encontra seduzida pelo Espírito que a domina, 
persistindo no que é conduzido e repelindo toda assistência (Kardec, 
2003).
Para Schubert (1981), dificilmente o fascinado irá admitir 
que está sendo alvo de obsessores e que não precisa de tratamento 
espiritual, já que ele está convencido que não é igual a outras pessoas.
 Para a autora, o estudo da Doutrina Espírita, das obras básicas da 
codificação feita em grupo, seria o primeiro passo para o seu 
despertamento e conscientização, mas aquele que é alvo de Espíritos 
fascinadores foge a todo custo de qualquer tipo de estudo sério, 
afastando-se de todos aqueles que o passam esclarecer e ajudar. Além do 
mais, esse estudo, disciplinado e constante, de tal modo que possibilite
 a assimilação de seus postulares, o que, por certo, ocasionará a nossa 
transformação moral, princípio básico do espírita.
Para M. P. 
Miranda, a terapia de recuperação dessas pessoas se inicia pela 
vigilância, vivenciando a humildade e tendo a coragem de bloquear e 
interromper a interferência nefasta, descendo do palanque de sua 
superioridade que se acredita, para a planície das criaturas comuns e 
frágeis, onde ele se deve situar (Franco, 2000).
Para Schubert 
(1981), mais do que outros obsedados, o fascinado precisa receber por 
meio do diálogo todos os esclarecimentos imprescindíveis ao seu 
tratamento, e ser conscientizado de sua própria participação neste 
processo, sendo essencial que ele sinta que todos estamos em aprendizado
 constante.
Além disso, é fundamental nos conscientizarmos de 
nossa realidade espiritual, que somos aprendizes imperfeitos das 
primeiras letras do conhecimento universal (Schubert, 1981).
Por 
fim, como nos diz Manoel Philomeno de Miranda, Franco (2012a), a 
fascinação ainda é persistente nas casas espíritas pela falta de 
vigilância e humildade de todos nós, que ainda não compreendemos que a 
mediunidade é uma oportunidade especial para a autorrecuperação e 
equilíbrio, devendo ser utilizada de maneira dignificante, com amor e 
caridade.
_________________________
– Franco, D. Temas da Vida e da Morte. Pelo Espírito Manoel P. de Miranda. 1.ed. Salvador: FEB, 1996.
– Franco, D. Fascinação Obsessiva. Pelo Espírito Manoel P. de Miranda. In: Reformador, ano 118, n. 2.051, fev. 2000, p. 37.
– Franco, D. Reencontro com a Vida. Pelo Espírito Manoel P. de Miranda. 1.ed. Salvador: LEAL, 2006.
– Franco, D. Mediunidade: Desafios e Bênçãos. Pelo Espírito Manoel P. de Miranda. 1.ed. Salvador: LEAL, 2012a.
– Franco, D. Amanhecer de Uma Nova Era. Pelo Espírito Manoel P. de Miranda. 1.ed. Salvador: LEAL, 2012b.
– Franco, D. Perturbações Espirituais. Pelo Espírito Manoel P. de Miranda. 1.ed. Salvador: LEAL, 2015.
– Kardec, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. 120.ed. Rio de Janeiro: FEB, 2002.
– Kardec, A. O Livros dos Médiuns. Trad. Guillon Ribeiro. 71.ed. Rio de Janeiro: FEB, 2003.
– Miranda, H. C. Diálogos com as Sombras: Teoria e Prática da Doutrinação. Rio de Janeiro: FEB, 1984.
– Schubert, S. C. Os Perigos da Fascinação. In: Reformador, ano 99, n. 1.833, dez. 1981, p. 369-373.
_______________________________
Fonte: Revista Internacional de Espiritismo, abril/2018
 

 
Nenhum comentário:
Postar um comentário