Fomos ver a casa anunciada.
E nos demos conta
de que as casas, como as pessoas,
morrem.
Logo à entrada,
a cerâmica, arcaica,
mostrava como uns poucos anos
podem acumular o pó dos séculos.
Dentro, tapetes bordados a mão,
tipo casa-grande,
talvez portugueses,
bronzes antigos,
faianças,
vasos de plantas,
peças avulsas
de mobiliário nobre.
Tudo com a pátina,
a ronha,
a ferrugem,
o fungo,
o cuspo,
o vômito do tempo.
E, contudo,
podia-se sentir
—ainda! ainda!—
o amor que presidira
à feitura, à escolha,
à disposição
de tudo aquilo
em composições plásticas
de que emanava calor.
E no conjunto se multiplicava
da soma das peças o valor,
mercê da mais-valia
da poesia
e do amor.
Na parede da sala um retrato
lindo de mulher,
no escritório fotografias
de juventude,
contrastantes
com o bafio e o bolor.
Na casa abandonada
fizeram ninho vespas,
aranhas, mofo, enfim
a fauniflora do esquecimento,
solfejando morte, inferno e dor.
Ah! melancolia
de ver que nada somos,
nada valemos,
nada! Mas a lição
de que,
de tudo,
sobrevive,
só,
o que a alma tocou.
Anderson Braga Horta
In Pulso (2000)
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