Matéria publicada no Jornal Mundo Espírita :: julho/2006
O Sr. M... havia comprado em segunda mão uma medalha que lhe pareceu
notável por sua singularidade. Era do tamanho de um escudo de seis
libras; tinha o aspecto da prata, embora um pouco acinzentada. Sobre
ambas as faces estão gravadas, em baixo-relevo, uma porção de sinais,
entre os quais se nota planetas, círculos entrelaçados, um triângulo,
palavras ininteligíveis e iniciais em caracteres vulgares; depois,
outros em caracteres bizarros, lembrando o árabe, tudo disposto de modo
cabalístico, conforme o gênero utilizado pelos mágicos.
Tendo
o Sr. M... interrogado a senhorita J..., médium-sonâmbula, a respeito
dessa medalha, foi-lhe respondido que era composta de sete metais, havia
pertencido a Cazotte e tinha o poder especial de atrair os Espíritos e
facilitar as evocações. O sr. de Caudemberg, autor de uma série de
comunicações que, como médium, dizia ter recebido da Virgem Maria,
disse-lhe que era uma coisa maléfica, destinada a atrair os demônios. A
senhorita Guldenstubé, médium, irmã do Barão de Guldenstubé, autor de
uma obra sobre pneumatografia, ou escrita direta, garantiu que a medalha
possuía uma virtude magnética e poderia provocar o sonambulismo.
Pouco
satisfeito com essas respostas contraditórias, o sr. M...
apresentou-nos a medalha, pedindo nossa opinião pessoal a respeito e, ao
mesmo tempo, solicitando interrogássemos um Espírito superior a
propósito de seu real valor, do ponto de vista da influência que pudesse
ter.
Eis a nossa resposta:
Os
Espíritos são atraídos ou repelidos pelo pensamento, e não pelos
objetos materiais, que nenhum poder exercem sobre eles. Em todos os
tempos os Espíritos superiores têm condenado o emprego de sinais e de
formas cabalísticas, de modo que todo Espírito que lhes atribuir uma
virtude qualquer, ou que pretender oferecer talismãs como objeto da
magia, por isso mesmo revelará a sua inferioridade, quer quando age de
boa-fé e por ignorância, em conseqüência de antigos preconceitos
terrestres de que ainda se acha imbuído, quer quando, como Espírito
zombeteiro, se diverte conscientemente com a credulidade alheia. Quando
não traduzem pura fantasia, os sinais cabalísticos são símbolos que
lembram crenças supersticiosas na virtude de certas coisas, como os
números, os planetas e sua concordância com os metais, crenças que foram
geradas nos tempos da ignorância e que repousam sobre erros manifestos,
aos quais a ciência fez justiça, ao revelar o que existe sobre os
pretensos sete planetas, os sete metais, etc.
A
forma mística e ininteligível desses emblemas tinha por objetivo a sua
imposição ao vulgo, sempre inclinado a considerar maravilhoso tudo
aquilo que é incapaz de compreender. Quem quer que tenha estudado
racionalmente a natureza dos Espíritos não poderá admitir que, sobre
eles, se exerça a influência de formas convencionais, nem de substâncias
misturadas em certas proporções; seria renovar as práticas do caldeirão
das feiticeiras, dos gatos pretos, das galinhas pretas e de outros
sortilégios. Não podemos dizer a mesma coisa de um objeto magnetizado
que, como se sabe, tem o poder de provocar o sonambulismo ou certos
fenômenos nervosos sobre o organismo. Nesse caso, porém, a virtude do
objeto reside unicamente no fluido de que se acha momentaneamente
impregnado e que assim se transmite, por via mediata, e não em sua
forma, em sua cor e nem, sobretudo, nos sinais de que possa estar
sobrecarregado.
Um
Espírito pode dizer: "Traçai tal sinal e, à vista dele, reconhecerei que
me chamais, e virei"; nesse caso, todavia, o sinal traçado é apenas a
expressão do pensamento; é uma evocação traduzida de modo material. Ora,
os Espíritos, seja qual for a sua natureza, não necessitam de
semelhantes artifícios para se comunicarem; os Espíritos superiores
jamais os empregam; os inferiores podem fazê-lo visando fascinar a
imaginação das pessoas crédulas que querem manter sob dependência. Regra
geral: para os Espíritos superiores a forma nada é; o pensamento é
tudo. Todo Espírito que liga mais importância à forma do que ao fundo, é
inferior e não merece nenhuma confiança, mesmo quando, vez por outra,
diga algumas coisas boas, porquanto essas boas coisas freqüentemente são
um meio de sedução.
Tal
era, de maneira geral, o nosso pensamento a respeito dos talismãs, como
meio de entrar em relação com os Espíritos. Evidentemente que se aplica
também àqueles que a superstição emprega como preservativos de moléstias
ou acidentes.
Entretanto,
para edificação do proprietário da medalha, e para um melhor
aprofundamento da questão, na sessão de 17 de julho de 1858 pedimos a
São Luís, que conosco se comunica de bom grado sempre que se trata de
nossa instrução, que nos desse sua opinião a respeito. Interrogado sobre
o valor da medalha, eis qual foi sua resposta:
"Fazeis
bem em não admitir que objetos materiais possam exercer qualquer
influência sobre as manifestações, quer para as provocar, quer para as
impedir. Temos dito com bastante freqüência que as manifestações são
espontâneas e que, além disso, jamais nos recusamos a atender ao vosso
apelo. Por que pensais que sejamos obrigados a obedecer a uma coisa
fabricada pelos seres humanos?
P. - Com que finalidade foi feita essa medalha?
Resp.
- Foi fabricada com o objetivo de chamar a atenção das pessoas que nela
gostariam de crer; porém, apenas por magnetizadores poderá ter sido
feita, com a intenção de magnetizar e adormecer um sensitivo. Os sinais
nada mais são que fantasia.
P. - Dizem que pertenceu a Cazotte; poderíamos evocá-lo, a fim de obtermos alguns ensinamentos a esse respeito?
Resp. - Não é necessário; ocupai-vos preferentemente de coisas mais sérias."
Allan Kardec
Revista Espírita, setembro de 1858, ed. Feb.
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