Sabemos
                                    que os textos evangélicos sofreram muitas
                                    alterações ao longo dos séculos, para
                                    atender a interesses do mundo, ditados pelo
                                    culto do poder e da ambição, ou até pela
                                    fé ingênua e cega que pretendia converter,
                                    fazendo concessões. Nesse processo,
                                    incorporaram-se rituais e crenças mágicas,
                                    muito anteriores a Jesus, dando-se-lhes
                                    estatuto cristão.
A
                                    fé raciocinada encara sem medo esses fatos,
                                    já constatados pela História, e busca a
                                    essência dos ensinamentos do Mestre. Aliás,
                                    já nos advertia Kardec, no primeiro parágrafo
                                    da introdução a “O Evangelho segundo o
                                    Espiritismo”: “Podem dividir-se em cinco
                                    partes as matérias contidas nos Evangelhos:
                                    os atos comuns da vida do Cristo; os
                                    milagres; as predições; as palavras que
                                    foram tomadas pela Igreja para fundamento de
                                    seus dogmas; e o ensino moral. As quatro
                                    primeiras têm sido objeto de controvérsias;
                                    a última, porém, conservou-se
                                    constantemente inatacável”.
O
                                    ensino moral do Evangelho é inatacável,
                                    sem dúvida. É o evangelho propriamente
                                    dito. O mais pode até ser lenda, ou é,
                                    pelo menos, questionável, passível de
                                    investigação histórica e científica.
                                    Portanto, não há por que se repetirem, em
                                    nosso meio, velhas abordagens fantasiosas
                                    que vestem Jesus de magia e ilusão. O
                                    Mestre se basta, dispensa enfeites que não
                                    concorrem para amadurecer o Espírito, como
                                    é o caso das festas marcadas no calendário
                                    oficial.
Tais
                                    festas representam uma tradição dos católicos
                                    e, embora merecendo nosso respeito, não
                                    fazem o menor sentido para a Doutrina Espírita.
                                    Portanto, não se justifica nas escolinhas
                                    de evangelização a comemoração de datas
                                    como a Páscoa, nos moldes do
                                    convencionalismo cristão.
É
                                    certo, porém, que as crianças trazem
                                    informações veiculadas pelos meios de
                                    comunicação, pela família, pela escola e
                                    que não devemos agredi-las com doutrinações
                                    radicais, negando tudo o que conhecem e
                                    vivenciam no mundo. Mas podemos aproveitar
                                    esses saberes, para construir o novo ou
                                    resgatar, adequadamente, o ponto de vista
                                    histórico e cultural.
No
                                    caso da Páscoa, é preciso situá-la entre
                                    as  festas
                                    ligadas a rituais de fertilidade e seus símbolos,
                                    dissociando-a da figura de Jesus, com o
                                    cuidado de não repetir a crença de que Ele
                                    a instituiu ou de que lhe deu outro sentido,
                                    assumindo a posição do cordeiro
                                    sacrificado nessa época pelos judeus, para
                                    justificar a ressurreição e dar ao corpo
                                    do Deus a função de alimento.
O
                                    mito do deus morto e do deus ressurrecto é
                                    comum a muitas culturas da antiguidade.
                                    Quando Jesus encarnou entre nós, essa crença
                                    já era conhecida e os judeus, de sua parte,
                                    haviam conferido a ela características próprias,
                                    associando-a a episódio que remonta ao
                                    tempo de 
                                    sua submissão ao Egito. 
Jesus
                                    insere-se naquele contexto, é verdade, e
                                    participa dos eventos da época, mas frisa:
                                    “Meu reino não é deste mundo”. E mais:
                                    “Não quero sacrifício, mas misericórdia.”
Recuperemos
                                    a formação da palavra sacrifício: sacro +
                                    ofício. Na realidade, o Mestre da Galileia
                                    rompe o ciclo de repetição dos velhos
                                    rituais e propõe o mandamento do amor.
                                    Misericórdia é expressão do amor. Não
                                    cobrava Jesus oferendas nos templos, nem
                                    rituais mágicos, como aquele que se
                                    realizava na Páscoa. Não pretendia que se
                                    lhe oferecessem ofícios
                                    sagrados, mas sim que praticássemos a
                                    caridade.
A
                                    Terceira Revelação nos convida, através
                                    do Espírito de Verdade: “Amai-vos e
                                    instruí-vos”. Portanto, o conhecimento
                                    que nos traz a própria Doutrina assinala um
                                    compromisso com o estudo, ensejando a
                                    oportunidade de superar uma mentalidade mágica
                                    para alcançar o direcionamento da fé, pela
                                    razão. Assim, a evangelização espírita não
                                    precisa comemorar as festas da tradição
                                    cristã, mas deve constituir a festa de todo
                                    dia, porque oferece roteiro seguro para a
                                    vida e suas surpresas.
Este
                                    terceiro milênio do calendário ocidental
                                    está marcado, ao que parece, por
                                    descobertas científicas arrojadas e por
                                    inquietantes constatações da História,
                                    provocando a derrubada de velhas crenças.
                                    Se, inadvertidamente, repetimos tais crenças
                                    na Casa Espírita, estaremos entravando o
                                    progresso e perdendo a chance de
                                    esclarecimento que o próprio Espiritismo
                                    nos oferece.
A
                                    criança e o jovem precisam desenvolver uma
                                    fé robusta e vigorosa que resista não só
                                    aos ventos das novidades – com as quais são
                                    alvejados pela escola, pela mídia, pela
                                    comunicação virtual – mas também aos
                                    embates da vida. Educar-se pelo Evangelho à
                                    luz do Espiritismo é abrir uma janela para
                                    o futuro, é atravessar a linha do horizonte
                                    da acomodação, é libertar-se do velho círculo
                                    das ilusões.
Extraído de O Consolador, Crônicas e Artigos, por Rita Côre 
 

 
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