Vivemos numa época de anemia intelectual, que
é causada pela raridade dos estudos sérios, pela procura abusiva da palavra
pela palavra, da forma enfeitada e oca, e, principalmente, pela insuficiência
dos educadores da mocidade. Apliquemo-nos a obras mais substanciais, a tudo o
que pode esclarecer-nos a respeito das leis profundas da vida e facilitar nossa
evolução.
Pouco a pouco, edificar-se-ão em nós uma
inteligência e uma consciência mais fortes e nosso corpo fluídico iluminar-se-á
com os reflexos de um pensamento elevado e puro. Dissemos que a alma oculta
profundezas onde o pensamento raras vezes desce, porque mil objetos externos
ocupam-no incessantemente.
Sua superfície, como a do mar, é muitas vezes
agitada; mas por baixo se estendem regiões inacessíveis às tempestades. Aí
dormem as potências ocultas, que esperam nosso chamamento para emergirem e
aparecerem. O chamamento raras vezes se faz ouvir e o homem agita-se em sua
indigência, ignorante dos tesouros inapreciáveis que nele repousam.
É necessário o choque das provações, as horas
tristes e desoladas para fazer-lhe compreender a fragilidade das coisas
externas e encaminhá-lo para o estudo de si mesmo, para a descoberta de suas
verdadeiras riquezas espirituais.
É por isso que as grandes almas se tornam
tanto mais nobres e belas quanto mais vivas são suas dores. A cada nova
desgraça que as fere têm a sensação de se haverem aproximado um pouco mais da
verdade e da perfeição, e com esse pensamento experimentam uma espécie de volúpia
amarga.
Levantou-se no céu de seu destino uma nova
estrela, cujos raios trêmulos penetram no santuário de sua consciência e lhe
iluminam os recônditos. Nas inteligências de cultura elevada faz sementeira a
desgraça: cada dor é um sulco onde se levanta uma seara de virtude e beleza.
Em certas horas de nossa vida, quando morre
nossa mãe, quando se desmorona uma esperança ardentemente acariciada, quando se
perde a mulher, o filho amado, cada vez que se despedaça um dos laços que nos
ligavam a este mundo, uma voz misteriosa eleva-se nas profundezas de nossa
alma, voz solene que nos fala de mil leis augustas, mais veneráveis que as da
Terra, e entreabre-se todo um mundo ideal.
Mas os ruídos do exterior abafam-na bem
depressa e o ser humano recai quase sempre em suas dúvidas, em suas hesitações,
na vulgaridade de sua existência. Não há progresso possível sem observação
atenta de nós mesmos. É necessário vigiar todos os nossos atos impulsivos para
chegarmos a saber em que sentido devemos dirigir nossos esforços para nos
aperfeiçoarmos.
Primeiramente, regular a vida física, reduzir
as exigências materiais ao necessário, a fim de garantir a saúde do corpo,
instrumento indispensável para o desempenho de nosso papel terrestre; em
seguida, disciplinar as impressões, as emoções, exercitando-nos em dominá-las,
em utilizá-las como agentes de nosso aperfeiçoamento moral; aprender
principalmente a esquecer, a fazer o sacrifício do “eu”, a desprender-nos de
todo o sentimento de egoísmo.
A verdadeira felicidade neste mundo está na
proporção do esquecimento próprio. Não basta crer e saber, é necessário viver
nossa crença, isto é, fazer penetrar na prática diária da vida os princípios
superiores que adotamos; é necessário habituarmo-nos a comungar pelo pensamento
e pelo coração com os Espíritos eminentes que foram os reveladores, com todas
as almas de escol que serviram de guias à humanidade, viver com eles numa
intimidade cotidiana, inspirarmo-nos em suas vistas e sentir sua influência
pela percepção íntima que nossas relações com o mundo invisível desenvolvem.
Entre essas grandes almas é bom escolher uma
como exemplo, a mais digna de nossa admiração e, em todas as circunstâncias
difíceis, em todos os casos em que nossa consciência oscila entre dois partidos
a tomar, inquirirmos o que ela teria resolvido e procedermos no mesmo sentido.
Assim, pouco a pouco iremos construindo, de
acordo com esse modelo, um ideal moral que se refletirá em todos os nossos
atos. Todo homem, na humilde realidade de cada dia, pode ir modelando uma
consciência sublime. A obra é vagarosa e difícil, mas para isso são-nos dados
os séculos.
Concentremos, pois, muitas vezes nossos
pensamentos, para dirigi-los, pela vontade, em direção ao ideal sonhado.
Meditemos nele todos os dias, à hora certa, de preferência pela manhã, quando
tudo está sossegado e repousa ainda à nossa volta, nesse momento a que o poeta
chama “a hora divina”, quando a Natureza, fresca e descansada, acorda para as
claridades do dia.
Nas horas matinais, a alma, pela oração e pela
meditação, eleva-se com mais fácil impulso até às alturas donde se vê e
compreende que tudo – a vida, os atos, os pensamentos – está ligado a alguma
coisa grande e eterna e que habitamos um mundo em que potências invisíveis
vivem e trabalham conosco.
Na vida mais simples, na tarefa mais modesta,
na existência mais apagada, mostram-se, então, faces profundas, uma reserva de
ideal, fontes possíveis de beleza. Cada alma pode criar com seus pensamentos
uma atmosfera espiritual tão bela, tão resplandecente, como nas paisagens mais
encantadoras; e na morada mais mesquinha, no mais miserável tugúrio, há frestas
para Deus e para o infinito!
Em todas as nossas relações sociais, em
nossas relações com os nossos semelhantes, é preciso lembrarmo-nos
constantemente de que os homens são viajantes em marcha, ocupando pontos
diversos na escala da evolução pela qual todos subimos. Por conseguinte, nada
devemos exigir, nada devemos esperar deles que não esteja em relação com seu
grau de adiantamento.
A todos devemos tolerância, benevolência e
até perdão; porque se nos causam prejuízo, se escarnecem de nós e nos ofendem,
é quase sempre pela falta de compreensão e de saber, resultantes de
desenvolvimento insuficiente. Deus não pede aos homens senão o que eles têm
podido adquirir à custa de lentos e penosos trabalhos.
Não temos o direito de exigir mais. Não fomos
semelhantes aos mais atrasados deles? Se cada um de nós pudesse ler em seu
passado o que foi, o que fez, quanto não seria maior nossa indulgência para com
as faltas alheias! Às vezes, também nós carecemos da mesma indulgência que lhes
devemos. Sejamos severos conosco e tolerantes com os outros. Instruamo-los,
esclareçamo-los, guiemo-los com doçura, é o que a lei de solidariedade nos
preceitua.
Enfim, é preciso saber suportar todas as
coisas com paciência e serenidade. Seja qual for o procedimento de nossos
semelhantes para conosco, não devemos conceber nenhuma animosidade ou
ressentimento; mas, ao contrário, saibamos fazer reverter em benefício de nossa
própria educação moral todas as causas de aborrecimento e aflição.
Nenhum revés poderia atingir-nos, se, por
nossas vidas anteriores e culpadas, não tivéssemos dado margem à adversidade. É
isso o que muitas vezes se deve repetir. Chegaremos, assim, a aceitar todas as provações
sem amargura, considerando-as como reparação do passado ou como meio de
aperfeiçoamento.
De grau em grau chegaremos, assim, ao sossego
de espírito, à posse de nós mesmos, à confiança absoluta no futuro, que dão a
força, a quietação, a satisfação íntima, permitindo-nos permanecer firmes no
meio das mais duras vicissitudes.
Quando chega a idade, as ilusões e as
esperanças vãs caem como folhas mortas; mas as altas verdades aparecem com mais
brilho, como as estrelas no céu de inverno através dos ramos nus de nossos
jardins. Pouco importa, então, que o destino não nos tenha oferecido nenhuma
glória, nenhum raio de alegria, se tiver enriquecido nossa alma com mais uma
virtude, com alguma beleza moral.
As vidas obscuras e atormentadas são, às
vezes, as mais fecundas, ao passo que as vidas suntuosas nos prendem, bastas
vezes e por muito tempo, na corrente formidável de nossas responsabilidades. A
felicidade não está nas coisas externas nem nos acasos do exterior, mas somente
em nós mesmos, na vida interna que soubermos criar.
Que importa que o céu esteja escuro por cima
de nossas cabeças e os homens sejam ruins em volta de nós, se tivermos a luz na
fronte, alegria do bem e a liberdade moral no coração? Se, porém, eu tiver
vergonha de mim mesmo, se o mal tiver invadido meu pensamento, se o crime e a
traição habitarem em mim, todos os favores e todas as felicidades da Terra não
me restituirão a paz silenciosa e a alegria da consciência.
O sábio cria, desde este mundo, para si
mesmo, um refúgio seguro, um lugar sagrado, um retiro profundo, aonde não
chegam as discórdias e as contrariedades do exterior. Do mesmo modo, na vida do
espaço a sanção do dever e a realização da justiça são de ordem inteiramente
íntima; cada alma traz em si sua claridade ou sua sombra, seu paraíso ou seu
inferno.
Mas, lembremo-nos de que nada há irreparável;
a situação atual do Espírito inferior não é mais que um ponto quase
imperceptível na imensidade de seus destinos.
Texto do Livro: O Problema do Ser, do Destino
e da Dor
Autor: Leon Denis
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