O Espírito desencarnado
O
transe da morte é sempre um estado de crise para qualquer indivíduo, variando
conforme o adiantamento moral de cada um. Daí a passagem do estado da
matéria para a vida espiritual acarretar uma espécie de perturbação mais ou
menos longa, até que se quebrem todos os elos entre o Espírito e sua
organização física.
Além
disso, vários fatores intervêm na situação do desencarnado logo após a morte: a
idade em que ocorreu a desencarnação (jovem ou idoso?), o tipo de morte
(natural ou violenta?), se era apegado ou desprendido dos bens materiais, se
tinha bons hábitos ou vícios inveterados, se possuía ideias materialistas ou
espiritualistas. Daí a necessidade do adormecimento do Espírito, logo após o
desprendimento do corpo físico, para se refazer do transe da morte.
Antes,
porém, que o Espírito adormeça, ocorre o interessante fenômeno de recordação da
vida passada, em que um panorama desfila ante seus olhos. Tem-se notícia de
que, em fração de segundos, o Espírito revê, minuciosamente, todos os fatos da
vida terrena que acabou de deixar, cena após cena, desde a infância até a
desencarnação, desde o incidente mais insignificante até o acontecimento mais
importante.
Naquele
momento, o Espírito é capaz de avaliar causas e consequências de todos os seus
atos, sejam bons ou maus, como um registro para aproveitamento em vidas
futuras. Só depois, sobrevêm o sono cujo tempo varia de Espírito para Espírito.
O juiz
John Worth Edmonds, que era notável médium psicógrafo, falante e vidente,
escreveu longa mensagem de seu amigo desencarnado, o juiz Peckam, a quem ele
muito estimava. Nessa época ainda não era conhecido pelos psicólogos o fenômeno
da visão panorâmica. Afirma, então, o Espírito Peckam: No momento da morte,
revi, como num panorama, os acontecimentos de toda a minha existência.
Todas
as cenas, todas as ações que eu praticara passaram ante meu olhar, como se
houvessem gravado na minha mentalidade, em fórmulas luminosas. Nem um só dos
meus amigos, desde a minha infância até a morte, faltou à chamada.
Na
ocasião em que mergulhei no mar, tendo nos braços minha mulher, apareceram-me
meu pai e minha mãe e foi esta quem me tirou da água, mostrando uma energia,
cuja natureza só agora compreendo. (A Crise da Morte, de Ernesto Bozzano)
Por seu turno, o Espírito que em vida se chamou Dr. Horace Abraham Ackley
relata como se passaram os primeiros momentos após o seu despertamento no Mundo
Espiritual: Logo que voltei a mim, todos os acontecimentos de minha vida me
desfilaram sob as vistas, como num panorama; eram visões vivas, muito reais, em
dimensões naturais, como se o meu passado se houvera tornado presente.
Foi
todo o meu passado que revi, compreendido o último episódio: o da minha
desencarnação. A visão passou diante de mim com tal rapidez, que quase não tive
tempo de refletir, achando-me como que arrebatado por um turbilhão de emoções.
A visão, em seguida, desapareceu com a mesma instantaneidade com que se
mostrara; às meditações sobre o passado e o futuro, sucedeu em mim vivo
interesse pelas condições atuais. (A Crise da Morte, de Ernesto Bozzano)
Muitas pessoas indagam: Como é possível alguém que passa por incontáveis
"mortes", experimenta o estado de erraticidade e reencarna várias
vezes, esquecer que existe o Mundo Espiritual? Explicam, então, os Espíritos
codificadores que a situação de esquecimento ou perturbação nunca é definitiva.
Ela é
transitória, e a lembrança, mais ou menos rápida, das vidas anteriores
dependerá do grau de evolução de cada Espírito. C. W. Leadebeater, em
“Auxiliares Invisíveis” comenta sobre o mal que os ensinamentos errôneos a
respeito da condição do Espírito após a morte provocam na Humanidade,
principalmente no mundo ocidental. Certas religiões assustam os seus adeptos,
criando neles muita perturbação e surpresa quando chegam no Mundo Espiritual.
Conta
ele o exemplo de um inglês que, em uma mensagem transmitida três dias depois de
morto, narrou que, encontrando um grupo de Espíritos amigos, perguntou: Mas, se
eu estou morto, onde é que estou? Se isto é o céu, não me parece grande coisa;
se é o inferno, é melhor do que eu esperava!
Surpresa
semelhante tem o Espírito Monsenhor Robert Hugh Benson. Relata ele, em “A Vida
nos Mundos Invisíveis”, obra recebida pelo médium Anthony Borgia, que, durante
todo o período que sucedeu a sua última desencarnação, nenhuma idéia lhe
ocorrera sobre tribunal de julgamento ou juízo final como sugerira a religião
ortodoxa. Esses conceitos e os de céu e inferno lhe pareceram totalmente
impossíveis e, na realidade, fantasias absurdas.
Em “A Vida no Outro Mundo”, seu autor, Cairbar Schutel, combate a idéia de que
nada existe após a morte e que se o Espírito não é imortal, (...) a vida é uma
farsa que começa no berço e se acaba no túmulo. Como vimos anteriormente, os
Espíritos levam consigo, para o Além-Túmulo, as qualidades boas ou más, todos
os vícios e costumes e todos os conhecimentos e aptidões.
Os
criminosos vêem-se mergulhados em profundas trevas e só ouvem os lamentos de
suas vítimas. Os suicidas só têm, na mente, o seu ato tresloucado. Allan
Kardec, na Revista Espírita de maio de 1862, no capítulo intitulado Uma Paixão
de Além-Túmulo, reporta-se ao suicídio, por amor, de um garoto de 12 anos de
idade. Perguntado sobre sua situação, o jovem responde:
Meu corpo lá estava inerte e frio e eu planava em volta dele; chorava lágrimas
quentes. Vocês se admiram das lágrimas de uma alma. Oh! Como são quentes e
escaldantes! Sim, eu chorava, porque acabava de reconhecer a enormidade de meu
erro e a grandeza de Deus! Entretanto, não tinha certeza de minha morte;
pensava que meus olhos se fossem abrir.
O
sofrimento dos Espíritos desencarnados é proporcional ao tipo de vida que
levaram e ao maior ou menor apego que tenham à vida material. Durante a crise
da morte, eles lutam para reter a vida corporal que lhes foge, e esse
sentimento se prolongará por muito tempo.
Aqueles
muito ligados à vida material erram pelas vizinhanças do lar e do local do
trabalho; julgam-se ainda vivos e pretendem participar dos negócios de que se
ocupavam quando encarnados. Os viciados e libertinos continuam a sentir enorme
ansiedade e procuram a convivência de devassos que lhes saciem os apetites
sexuais e os vícios. O avarento fica em estado de angústia, por não poder
impedir que os herdeiros esbanjem a fortuna amealhada durante a vida terrena.
Em “Primeiras Impressões de Um Espírito”, mensagem transmitida pelo Espírito
Delphine de Girardin à médium Sra. Gostel na Sociedade Espírita de Paris,
consta, dentro da sua perspectiva, o seguinte: Falarei da estranha mudança que
se opera no Espírito após a libertação. Ele se evapora dos despojos que
abandona, como uma chama se desprende do foco que a produziu; depois se dá uma
grande perturbação e essa dúvida estranha: estou morto ou vivo?
A
ausência das sensações primárias produzidas pelo corpo espanta e imobiliza, por
assim dizer. Assim como um homem habituado a um fardo pesado, nossa alma,
aliviada de repente, não sabe o que fazer de sua liberdade; depois o espaço
infinito, as maravilhas sem número dos astros, sucedendo-se num ritmo
harmonioso, os Espíritos solícitos, flutuando no ar e deslumbrantes de luz
sutil que parece atravessá-los, o sentimento da libertação que inunda, de
súbito, a necessidade de lançar-se também, no espaço como pássaros que querem
treinar suas asas, tais são as primeiras impressões que todos nós sentimos.
(Revista Espírita, de Allan Kardec, novembro de 1860, n° 11)
Temos informações, através de várias mensagens, que, no Além, assim como no
Aquém, existem vagabundos, saltimbancos e fanfarrões. Existem, da mesma
maneira, aqueles que se propõem a auxiliar os companheiros atrasados e, ainda,
os que preferem trabalhar pelo seu próprio aprimoramento. Sócrates e Platão
disso já tinham conhecimento e afirmavam:
A alma impura, nesse estado, encontra-se pesada, é novamente arrastada para o
mundo visível, pelo horror do que é invisível e imaterial. Ela erra, segundo se
diz, ao redor dos monumentos e dos túmulos, juntos dos quais foram vistos, às
vezes fantasmas, como devem ser as imagens das almas que deixaram o corpo sem
estar inteiramente puras, e que conservam alguma coisa de forma material, o que
permite aos nossos olhos percebê-las.
Essas
não são as almas dos bons, mas as dos maus, que são forçadas a errar nesses
lugares, onde carregam as penas de sua vida passada, e onde continuam a errar,
até que os apetites inerentes às suas respectivas formas materiais façam-nas
devolver a um corpo. Então, elas retornam, sem dúvida aos mesmos costumes que,
durante a vida anterior, eram de sua predileção. (O Evangelho Segundo o
Espiritismo, de Allan Kardec)
Como Deus não se compraz com o sofrimento eterno de seus filhos, passada uma
fase de depuração dos fluidos mais densos, sobrevêm ao Espírito o sono
reparador a que estão sujeitos todos os recém-chegados ao Mundo Espiritual.
Nesse momento, Espíritos amigos e familiares recolhem os recém-desencarnados e
os levam para as diversas estações de repouso.
Ao
despertar desse sono, que pode variar de horas a séculos, o Espírito
desencarnado começa a perceber o que está em sua volta. Surpreende-se ao
encontrar um ambiente muito semelhante ao da Terra. Por esse motivo, muitos
pensam que ainda estão vivos.
E, só a
partir de uma tomada de consciência da realidade em que se encontram, surgirão
para eles novas oportunidades: estudos, tarefas, trabalho assistencial, tudo de
acordo com o seu adiantamento espiritual, sua capacidade e suas necessidades.
Comentando as palestras familiares que estabelece com o Além-Túmulo, Allan
Kardec diz a respeito da desencarnação:
Extinguindo-se as forças vitais, o Espírito se desprende do corpo no momento em
que cessa a vida orgânica. Mas a separação não é brusca ou instantânea. Por
vezes começa antes da cessação completa da vida; nem sempre é completada no
instante da morte. Sabemos que entre o Espírito e o corpo existe um liame
semi-material, que constitui o primeiro envoltório. Este liame não se quebra
subitamente. E, enquanto subsiste, fica o Espírito num estado de perturbação
comparável ao que acompanha o despertar.
Ao
entrar no mundo dos Espíritos é acolhido pelos amigos que o vêm receber, como
se voltasse de penosa viagem. Se a travessia foi feliz, isto é, se o tempo de
exílio foi empregado de maneira proveitosa para si e o elevou na hierarquia do
mundo dos Espíritos, eles o felicitam. Ali reencontra os conhecidos, mistura-se
aos que o amam e com ele simpatizam, e então começa, para ele, verdadeiramente,
a sua nova existência. (Revista Espírita, abril de 1959, no 4, de Allan Kardec)
Na erraticidade, o Espírito não adquire, imediatamente, o saber e a virtude;
antes, conserva sua inteligência ou ignorância, idéias, concepções, ódios ou
afeições. O que se abala com o desligamento do corpo é a memória, e a sua
lucidez retornará segundo o nível moral do desencarnado e à medida que se
apagam as impressões terrenas.
Se o
Espírito errante tem bons propósitos, ele progride nos aspectos intelectual,
moral e espiritual, podendo trazer-nos, mais tarde, as notícias das Colônias
Espirituais onde estagiou, uma vez que, enquanto recebe tratamento no corpo
perispiritual, o Espírito desencarnado se instrui.
Devido à diversidade de nossos caracteres, (aptidões, sentimentos, vícios,
virtudes e hábitos) as condições de vida no Além são de uma diversidade
infinita, daí as diferenças no conteúdo das mensagens. Existem, também,
Espíritos tão evoluídos e depurados (Espíritos puros ou perfeitos) sobre os
quais a Terra não mais exerce atração. Estes habitam as regiões menos densas e
só reencarnam para cumprir missões especiais, como aconteceu com Jesus, Buda e
Confúcio, além de outros grandes missionários.
Todavia,
há Espíritos que não se incorporam a nenhum movimento nobre; vivem na Terra da
Liberdade que é uma região, segundo informam os Espíritos, próxima à crosta
terrestre, onde os desencarnados se entregam a mais completa indisciplina. Cada
um faz o que quer e age de acordo com o livre-arbítrio, sem quaisquer
restrições morais.
A
tônica de suas vidas é a liberalidade. Muitas vezes, reencarnam sem passar por
estágios nas Colônias de recuperação e sem analisarem as vidas anteriores. Nos
Mundos Espirituais superiores, os Espíritos continuam a agir dentro do seu
livre-arbítrio, porém de acordo com padrões morais elevados.
Segundo Allan Kardec, ao tratar dos Possessos de Morzine: Sendo a Terra um
mundo inferior, isto é, pouco adiantado, resulta que a imensa maioria dos Espíritos
que a povoam tanto no estado errante, quanto no de encarnados, deve compor-se
de Espíritos imperfeitos, que fazem mais mal que bem. Daí a predominância do
Mal na Terra.
Ora, sendo a Terra, ao mesmo tempo, um mundo
de expiação, é o contato do Mal que torna os homens infelizes, pois se todos os
homens fossem bons, todos seriam felizes. É um estado ainda não alcançado por
nosso globo; e é para tal estado que Deus quer conduzi-lo. Todas as tribulações
aqui experimentadas pelos homens de bem, quer da parte dos homens quer da dos
Espíritos, são consequências deste estado de inferioridade.
Poder-se-ia
dizer que a Terra é a Botany-Bay (Bahia botânica) dos mundos: aí se encontram a
selvageria primitiva e a civilização, a criminalidade e a expiação. (Revista
espírita, de Allan Kardec, n2 12, dezembro de 1862).
Assim, o fundamental para nós é saber que a Terra nada mais é que um pálido
reflexo do Mundo Espiritual e que ambos se encontram na mesma faixa vibratória.
Allan Kardec, em mensagem transmitida, após a sua morte, na residência de Miss
Anne Blackwell, em Paris, em 14 de setembro de 1869, confirma os ensinamentos
que em vida recebeu dos Espíritos em palestras familiares:
Sou tão
feliz como nem podeis pensar, meus bons amigos, por vos encontrar reunidos.
Estou entre vós, numa atmosfera simpática e benevolente, que agrada ao mesmo
tempo o meu espírito e o meu coração. Há muito tempo que eu desejava
ardentemente o estabelecimento de relações regulares entre a escola francesa e
a escola americana.
Os Espíritos conservam no Espaço suas simpatias e seus hábitos terrenos. Os
Espíritos dos americanos mortos são ainda americanos, como os desencarnados que
viveram na França são ainda franceses no Espaço. Daí as diferenças dos ensinos
em alguns centros. Cada grupo de Espíritos, por sua própria natureza, por seu
espírito nacional, apropria suas instruções ao caráter, ao gênio especial
daqueles que o dirigem. (Revista Espírita, de Allan Kardec, na 6, junho de
1869).
Sendo
assim, conclui-se que o processo da morte não é necessariamente doloroso,
embora, muitas vezes, os que presenciem o desenlace de algum amigo ou parente
observem a luta do moribundo para conservar o Espírito no corpo. Aos olhos
físicos a impressão é de a pessoa estar sofrendo intensamente, mas essa se
constitui, apenas, uma visão terrena, dos que ainda permanecem do lado de cá. A
realidade é bem outra.
Lúcia
Loureiro
Extraído de Harmonia Espiritual
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