Ainda outros motivos tem o espírita para
ser indulgente com os seus inimigos. Sabe ele, primeiramente, que a
maldade não é um estado permanente dos homens; que ela decorre de uma
imperfeição temporária e que, assim como a criança se corrige dos seus
defeitos, o homem mau reconhecerá um dia os seus erros e se tornará bom.
Sabe também que a morte apenas o livra da
presença material do seu inimigo, pois que este o pode perseguir com o
seu ódio, mesmo depois de haver deixado a Terra; que, assim, a vingança,
que tome, falha ao seu objetivo, visto que, ao contrário, tem por
efeito produzir maior irritação, capaz de passar de uma existência a
outra. Cabia ao Espiritismo demonstrar, por meio da experiência e da lei
que rege as relações entre o mundo visível e o mundo invisível, que a
expressão: extinguir o ódio com o sangue é
radicalmente falsa, que a verdade é que o sangue alimenta o ódio, mesmo
no além-túmulo. Cabia-lhe, portanto, apresentar uma razão de ser
positiva e uma utilidade prática ao perdão e ao preceito do Cristo: Amai os vossos inimigos.
Não há coração tão perverso que, mesmo a seu mau grado, não se mostre
sensível ao bom proceder. Mediante o bom procedimento, tira-se, pelo
menos, todo pretexto às represálias, podendo-se até fazer de um inimigo
um amigo, antes e depois de sua morte. Com um mau proceder, o homem
irrita o seu inimigo, que então se constitui instrumento de que a justiça de Deus se serve para punir aquele que não perdoou.
Pode-se, portanto, contar inimigos assim
entre os encarnados, como entre os desencarnados. Os inimigos do mundo
invisível manifestam sua malevolência pelas obsessões e subjugações com
que tanta gente se vê a braços e que representam um gênero de provações,
as quais, como as outras, concorrem para o adiantamento do ser, que,
por isso; as deve receber com resignação e como consequência da natureza
inferior do globo terrestre. Se não houvesse homens maus na Terra, não
haveria Espíritos maus ao seu derredor. Se, conseguintemente, se deve
usar de benevolência com os inimigos encarnados, do mesmo modo se deve
proceder com relação aos que se acham desencarnados.
Outrora, sacrificavam-se vítimas
sangrentas para aplacar os deuses infernais, que não eram senão os maus
Espíritos. Aos deuses infernais sucederam os demônios, que são a mesma
coisa. O Espiritismo demonstra que esses demônios mais não são do que as
almas dos homens perversos, que ainda se não despojaram dos instintos
materiais; que ninguém logra aplacá-los, senão mediante o sacrifício do ódio existente, isto é, pela caridade;
que esta não tem por efeito, unicamente, impedi-los de praticar o mal
e, sim, também o de os reconduzir ao caminho do bem e de contribuir para
a salvação deles. E assim que o mandamento: Amai os vossos inimigos
não se circunscreve ao âmbito acanhado da Terra e da vida presente;
antes, faz parte da grande lei da solidariedade e da fraternidade
universais.
Extraído da obra: O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec. Tradução de Guillon Ribeiro, Editora FEB, 112ª edição, p. 66 (versão do site Domínio Público).
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