Quando estudamos o Espiritismo nos deparamos com a informação que a
Doutrina Espírita é a Terceira Revelação, ou seja: Moisés, Cristo e
Espiritismo. Com Jesus no centro, como o sol a iluminar as duas outras
no dizer de J. Herculano Pires¹.
Desta maneira, no capítulo primeiro de O Evangelho Segundo o Espiritismo, encontramos: “O Espiritismo é a Terceira Revelação da lei de Deus...”. Mais adiante, em Instruções dos Espíritos: “Moisés abriu o caminho; Jesus continuou a obra; o Espiritismo a concluirá”. E se não bastassem as duas afirmações anteriores, em O Livro dos Espíritos, na questão 627, temos a seguinte resposta: “Estamos incumbidos de preparar o reino do bem que Jesus anunciou”. Ora, somente uma Doutrina que tivesse grande significação para o mundo poderia estar circundada ou ter como colaboradores Espíritos com uma missão tão nobre, significação esta compatível ou estando à altura de uma Terceira Revelação. Então, não resta dúvida que o Espiritismo pode ser compreendido, sim, como a Terceira Revelação, não sendo uma invenção de Kardec, ou apenas uma boa ideia para legitimar a Doutrina.
Falando rapidamente de cada uma destas revelações, poderemos dizer que, com Moisés, além dos 10 Mandamentos, temos a propagação da ideia de um Deus único, no meio das crenças politeístas da época, como fator importante para a formação daquilo que conhecemos como Civilização Ocidental. Depois veio Jesus, trazendo a mensagem do amor e da consolação: “Bem-aventurados os que choram, pois que serão consolados”², e também a mensagem da vitória sobre a morte, bem como sua influência profunda na História da Humanidade, tanto é assim que para os religiosos ou não, a História é dividida em antes e depois de Cristo. E finalmente, com o passar dos séculos, veio o Espiritismo, confirmando a moral de Jesus como verdadeira, não através da absorção da cultura religiosa dominante, indo também além de uma simples Instrução dos Espíritos, mas sim e principalmente, através da análise de inúmeras mensagens mediúnicas (livro O Céu e o Inferno, de Kardec) que nos revelam a vida após a morte, mostrando na prática que vivenciar o amor, exemplificado por muitos e magistralmente por Jesus, vale mesmo a pena. Em compensação, viver os maus sentimentos enquanto encarnado, traz consequências funestas já nesta vida como na outra; entretanto, até para estes espíritos, o futuro não se desenha numa fornalha de penas eternas e sim um caminho visitado pela dor e pelas vicissitudes, nas sucessivas experiências reencarnatórias, até que o espírito, cansado, procure outra vez olhar para o Céu.
A conquista gradual da felicidade, ensina o Espiritismo, depende unicamente da evolução intelecto/moral do espírito, independente da crença religiosa, da cor da pele, da nacionalidade, da classe social, da profissão, de questões estéticas do seu corpo, ou se a pessoa é homem ou mulher; desta maneira até um ateu, que pratique o bem, estará em melhores condições que nós, que porventura, animados pela ilusão de possuirmos o título de espírita, católico, judeu, ou protestante, acreditarmos, por isto, que o nosso pedaço de céu já estará garantido, sem o suor do trabalho e da reforma íntima.
Entendemos, desta maneira, que a Terceira Revelação é mais que um rótulo para se revelar no sentido profundo que a Doutrina Espírita tem, na libertação do Homem de formas equivocadas de entender a realidade, convidando-o para seguir um novo destino. Entretanto, para alguns de nós só bastam as coisas não andarem como queríamos, basta não vermos o suceder dos acontecimentos como supomos que eles deveriam ser, como, por exemplo, a difusão do Espiritismo, considerada por alguns como insatisfatória, o mundo de regeneração parecendo ainda distante, entre outras questões, para manter muitos espíritas encurvados, desanimados, com os olhos voltados para o chão. E, neste contexto, a crença na Terceira Revelação, da Doutrina Espírita forte e transformadora, também aos poucos vai indo embora. É como se algo se perdesse no caminhar dos anos.
Esta perspectiva obviamente pessimista tem uma causa muito simples, nossa crônica falta de fé em Deus, pois é fácil crer em Deus, por questões hipotéticas ou lógicas, mas coisa bem diferente é Tê-lo de maneira verdadeira no coração, pois o espírita, acostumado ao uso da razão, esquece-se de usar, às vezes, a dimensão da fé, naquilo que transcende o homem e seu entendimento.
Na questão 783 de O Livro dos Espíritos está escrito: “Quando um povo, ou civilização não progride quanto deveria, Deus envia um abalo físico ou moral que o transforma”. Esta é uma questão de fé, acreditar que Deus vai fazer através ação do mundo espiritual sobre nós, pelo encarnar ou reencarnar de espíritos missionários, pelas Leis naturais ou de outras formas que desconhecemos. Desta forma, se Deus pode fazer, por que Ele não faria nada pelo Espiritismo? Por que então este medo? Por que então perder o entusiasmo pela Doutrina em conjecturas pessimistas? A verdade é que Deus não nos abandonou, nem o Espiritismo está entregue à sua própria sorte.
É um erro, portanto, crer que “O Espiritismo será o que o fizerem os homens”³, entendendo com isto que estamos sozinhos, como se os Espíritos Superiores tivessem ido embora, e, com certeza, não era a convicção profunda de Léon Denis, autor da frase, é tanto assim que no Congresso Espírita Internacional em 1905, na Bélgica, Léon Denis falou: Lutemos, então, com coragem, com sabedoria, com prudência. O mundo invisível está conosco. Elevemos nosso grito de esperança e de confiança na justiça eterna e consciente que governa os mundos. Creiamos, esperemos, ajamos!..4.
É interessante uma passagem em que um grande espírito diz a Kardec: “Não esqueças que podes triunfar, como podes falir. Neste último caso, outro te substituiria, porquanto os desígnios de Deus não assentam na cabeça de um homem”5. Esta mesma recomendação cabe a todos nós, se falharmos como espíritas, o Espiritismo não falhará, pois outras almas mais fortes virão fazer o trabalho que negligenciamos, até que a verdade triunfe e a vontade de Deus se cumpra.
E se quisermos participar de alguma maneira deste triunfo, existe um mínimo que podemos fazer, ao invés de sermos apenas expectadores, que é oferecer à sociedade e aos outros espíritas o nosso testemunho pessoal, que se revela na maneira como nós, sendo espíritas, estamos resolvendo nossos problemas, como nós sendo espíritas estamos nos comportando diante da dor, da falta de perdão, diante da falta de dinheiro. Se nós nos mantemos firmes como espíritas, mesmo longe dos holofotes da mídia, mesmo vivendo na obscuridade, sem o reconhecimento das pessoas. Como nós, sendo Espíritas, estamos diante de um mundo caótico, violento e vicioso, se estamos nos deixando levar nas ondas do pessimismo, ou se conseguimos nos manter confiantes no futuro do mundo. É assim que Kardec escreveu certa vez: “São nos momentos críticos que se conhecem os corações sólidos, os devotamentos verdadeiros. É então que as convicções profundas se distinguem das crenças superficiais ou simuladas. Na paz não há mérito em ter coragem”6.
1. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Introdução de J. Herculano Pires. Editora Lake, 67a edição. 2007.
2. ____. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Capítulo quinto.
3. DENIS, Léon. No Invisível. 1903.
4. Texto completo disponível no site http://www.autoresespiritasclassicos.com.
5. KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Minha missão.
6. ____. Revista Espírita. Novembro de 1865 em Alocução.
Fonte: Casa Editora O Clarim.
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