Certa manhã, despertei ao raiar do dia incomodado com a situação que vivenciara na noite anterior.
Ao andar pelas ruas, fiquei verdadeiramente injuriado. Não pude
acreditar no que presenciava. Duas senhoras a fofocar, literalmente
sobre a vida alheia. Pensei. Como algo assim pode acontecer por esses
lados?
Enfurecido me aproximei. Ia começar um discurso de orientação quando fui reconhecido.
- Gregório, como anda passando? Espero que bem! Tenho acompanhado seu progresso e estou feliz com a sua evolução dia após dia.
Inicialmente, fiquei mudo. Sorriso sem graça, pela primeira vez, respondi monossilabicamente: - Bem! Obrigado!
E a mesma continuou:
- Algum problema? Parece que não está muito bem está manhã.
Enchi o peito de coragem e iniciei a palestra:
- Cara senhora, fui desperto dos meus pensamentos pela proza que desenvolvia com sua suposta amiga.
Neste momento, virei-me para outra mulher que ainda não havia se
pronunciado e, permanecendo incentivado pela insensatez do julgamento,
voltei a falar.
A primeira senhora interrompeu-me apresentando a si e a outra.
- Parece que não está lembrando-se de nós? Sou Marta e esta é Jaqueline.
Sem puder segurar a língua dentro da boca, me precipitei a tagarelar.
- Como ia dizendo... chamou-me a atenção a conversa a qual se
dispunham. E confesso que não compreendo como distintas senhoras, num
lugar como esse, desprendem de seus lábios, palavras tão argilosas,
quanto as que ouvi. Entristece-me saber que nada foi, por vocês,
verdadeiramente absorvido sobre a moralidade e adequação ética das
condutas em terras tão distantes e diferentes das quais deviam
permanecer.
Enquanto falava, percebi as duas senhoras, inabaláveis, olhavam-me como
a uma criança necessitando de orientação. O que foi me inervando cada
vez mais. Pensei. Como se atrevem a olhar-me com tamanho descaso, quando
falo sobre assuntos de suma importância?
Ao acabar da fala, desolado fiquei com a aproximação de meu cuidador,
que me alcançou através de meus pensamentos negros e enfurecidos. E foi
logo se dirigindo a mim, como pai, ao perceber um tropeço do filho.
Pauso para explicar-lhes que pensamentos têm cor, forma e cheiro. Assim
os percebemos por aqui, quando capacitados somos, digo melhor, quando
evoluídos somos. Certo dia, lá na terra, quando na excursão, sai a
caminhar com Samuel pelos arredores da vila da Casa do Cristo.
Percorremos longo caminho até chegar a um ambiente escuro e sombrio.
Era sombrio, não pela escuridão que se despontava na noite, mas pelas
condutas que era possível ver, ouvir e sentir.
Na aproximação, meu corpo ficou diferente. Uma brisa gelada alcançou
meu peito e me fez estremecer. Senti tontura e desânimo. Samuel me
socorreu convidando-me a oração. Continuamos a penetrar a escuridão e
foi possível ouvir gritos e risadas abafadas. Eram vozes de homens e
mulheres misturadas à música alta e ao choro de criança.
Logo chegamos numa clareira, no meio da mata densa. Então, pude ver uma
casinha pequena e descuidada. Cadeiras e mesas à porta. Som alto a
tocar sem interrupção, apesar de uma briga que acontecia na frente da
porta. Dois homens se esmurravam dentro de um circulo formado por muitas
outras pessoas que comemoravam cada soco dispensado e torciam ora por
um, ora pelo outro.
Uma criança, ainda de colo, estava sentada ao chão na liteira da porta
aos berros. Sozinha, sem poder andar, pedia por socorro no meio daquela
confusão. Temi que sobrasse alguma agressão para ela. Corri ao seu
alcance, porém, não pude carregá-la como imaginei, no afã, que pudesse
fazer.
Entrei em desespero. Comecei a suar. Fiquei tonto, desequilibrei e caí.
No chão, percebi bebidas por todo lado. Um cheiro forte de álcool me
sufocou e eu desmaiei. Acordei aos pés de Samuel, que, impondo as mãos,
me fornecia energias fluídicas edificantes. Ao me ver desperto,
ajudou-me a levantar. E, novamente, impondo as mãos, agora sobre nossas
cabeças, criou um campo de força magnético ao nosso redor. Senti uma
sensação de segurança. Longe da confusão, que ficou do lado de fora,
melhorei.
Perguntei a Samuel se ele nada faria. Sem nada dizer, colocou minha mão
sobre meus olhos, ampliando meu campo de visão. Pude ver que, de nós,
saía uma energia clara e luminosa, porém, por mais forte e poderoso que
fosse o feixe, não conseguia alcançar o grupo que estava em desalinho.
Com o olhar mais apurado, identifiquei uma nuvem negra que circundava
todo o grupo, novos calafrios me tomaram e pude sentir um odor fétido
que me nauseou. Voltei a passar mal e fui socorrido pelo companheiro de
todas as horas.
Então, Samuel começou uma prece. Solicitava, humildemente, a presença
do Pai. Pediu misericórdia pelos irmãos que se destruíam sem nenhum
motivo. Orou com fervor e foi atendido. Pouco a pouco percebi que o
feixe ficava mais intenso e começou a penetrar, delicadamente, na nuvem
enfurecida que parecia ter vida e resistia, brigando por sua existência.
Pequenos feixes iam penetrando calmamente, sem pressa ou agressão. E
pude ver que gotículas caiam sobre os que brigavam e torciam. A nuvem
escurecida foi ficando cada vez menos densa e se deixou diluir.
A mãe que, interessada no atrito, esquecera a criança no canto, pode,
finalmente, ouvir seu choro e correu ao seu socorro acalmando-a em seu
colo. Dois rapazes mais fortes que observavam tudo, sem nada fazer,
encorajados pelas energias salutares que permitiram penetrá-los, separam
os dois homens que se engalfinhavam.
O grupo foi dispersando e retomando suas mesas. Alguns, mais sensíveis,
se deixaram penetrar pela luz divina, absorvendo-a. Sentindo-se
cansados, partiram em direção ao lar aonde a família os esperava.
Atônito a tudo, observei com tamanho interesse e surpreendido fiquei ao
perceber que, minutos depois ao encerramento do passe coletivo, um
grupo menor se desequilibrou, retornando a confusão anterior.
Samuel, dirigindo um último olhar, rogou a Deus que os iluminasse e, olhar triste, se afastou, levando-me com ele.
Não pude esperar até a vila para entender tudo que havia acontecido.
Samuel compreendendo minha aflição convidou-me a sentar e disse:
-Caro Gregório, trouxe-o aqui para que observasse o que o mau
direcionamento dos pensamentos e atitudes podem fazer ao espírito.
Aquele grupo se entregou aos desatinos do prazer e do vício e
afastaram-se das Leis Divinas, ensinadas pelo amoroso Jesus.
- Cegam-se com o que veem e desejam, impossibilitando-se de
enxergar o mau que fazem a si mesmo e aos outros ao seu redor. Pais
esquecem de seu filhos, mães não conseguem ouvir o choro de seus bebes,
famílias são destruídas, amigos tornam-se inimigos. E o pior que nada
podemos fazer, pois assim não o desejam.
- Só após muita oração pudemos penetrá-los com energias salutares
provenientes do Senhor, porém, logo depois, baixam suas vibrações
despertas pelo submundo que escolhem vivenciar e retornam a escuridão,
não permitido a clareza da luz.
Nada consegui dizer ou questionar. Uma dor enorme tocou meu peito.
Lembrei-me de mim, a bebericar sem juízo pelos bares da vida. Um após o
outro, sem limites, sem discernir que era hora de parar e retornar ao
leito. Embriagado, saía pelas ruas a discursar, incomodando aos que
passavam e os que dormiam. Recebia xingamentos, empurrões, baldes de
água.
Certa noite, cheguei em casa com hematoma no olho e nariz sangrando.
Levaram-me correndo para o hospital. Minha esposa injuriada, olhar de
desaprovação, cuidou-me com afinco. Disse mais tarde, que passara a
noite a orar por minha segurança e saúde. Podem pensar de que nada
serviu tanta oração. Afirmo-os que, naquele dia, escapei da morte e
consciente nunca mais voltei a beber em demasia, ou sem limite.
Por me prolongar mais que o devido. Encerro aqui nossa proza. Comprometo-me a retornar e a continuar de onde parei.
Deixo-os com a grande lição aprendida à duras penas: Nada podem fazer
por nós os amigos de luz, se não abrirmos o coração para Deus e
aceitarmos sua presença em nossas vidas.
Até breve.
Gregório
19.08.12
Fonte: CACEF - Casa de Caridade, Esperança e Fé.