Eternidade

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sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A VIDA DO ESPÍRITO



Tomemos a alma ao sair deste mundo e vejamos o que se passa depois dessa transmigração. Extinguindo-se as forças vitais, o Espírito se desprende do corpo no momento em que cessa a vida orgânica; a separação, porém, não é brusca e instantânea. Começa, algumas vezes, antes da cessação da vida; não é sempre completa no instante da morte.

Demonstramos que entre o espírito e o corpo há um laço semimaterial que constitui um primeiro invólucro; ele não se rompe subitamente, e, enquanto subsiste, o Espírito fica num estado de perturbação, que pode ser comparado ao que sucede ao despertar; muitas vezes, mesmo, ele duvida da morte; sente que existe e não compreende que possa viver sem o corpo, de que se vê separado; os laços que o unem à matéria o tornam, mesmo, acessível a certas sensações físicas; dizia um deles que sentia os vermes lhe roerem o corpo.

O Espírito só se reconhece, depois de completamente livre: até aí ele não conhece perfeitamente a sua situação. A duração deste estado de perturbação é variável; pode ser de algumas horas ou de muitos anos, mas é raro que, ao fim de alguns dias, ele não se reconheça, mais ou menos bem.

Não falamos senão das almas chegadas já a certo grau de adiantamento moral, porque, entre os selvagens, a vida espiritual não é suficientemente ativa para que eles se identifiquem com a nova situação. Faz-se que estes Espíritos reencarnem muito rapidamente, a fim de apressar o momento em que gozando de seu inteiro livre-arbítrio, tornar-se-ão os únicos senhores de seus destinos.


Do mesmo modo para muitos Espíritos das nações civilizadas, a morte produz tal alteração, que eles acham tudo estranho, e é preciso certo tempo para que se familiarizem com a nova maneira de perceber as coisas.

É solene o momento em que um deles vê cessar a sua escravidão pela ruptura do laço que o retém ao corpo. À entrada no mundo dos Espíritos ele é acolhido por amigos que o recebem, como de volta de penosa viagem. Encontra os mortos amados, cuja perda lhe tinha sido cruciante pesar, e se a travessia foi feliz, se o tempo de exílio foi empregado de forma proveitosa, é por eles felicitado pelo combate corajosamente sustentado. Aos pais juntam-se os amigos que ele conheceu outrora e todos, felizes e radiantes, voam no éter infinito. Começa, então, verdadeiramente, para ele uma nova existência. - O invólucro fluídico do Espírito constitui uma espécie de corpo de forma definida, limitada e análoga à nossa. Vimos pelo estudo dos turbilhões de Helmholtz, como se poderia conceber este estado, mas este corpo não tem absolutamente os nossos órgãos e não pode sentir todas as nossas impressões.

Na Terra, a visão, a audição, o tato dependem de instrumentos cuja grosseria não nos permite sentir as vibrações, em número infinito, que se estendem além dos limites de nossas fracas percepções; mas estas vibrações existem e, para o ser que as pode captar e lhes compreender a linguagem, devem elas ter uma voz mais penetrante que o majestoso murmúrio do Oceano e as queixas misteriosas do vento através das florestas.

O Espírito sente tudo o que percebemos: a luz, o som, os odores, e estas sensações não são menos reais, por nada terem de material; elas possuem, mesmo, algo de mais claro, de mais preciso, de mais sutil, porque chegam à alma sem intermediário, sem passar, como entre nós, pela série dos sentidos, que as esmaecem.

A faculdade de perceber é inerente ao espírito; é um atributo dos seres; as sensações lhe chegam de toda parte e não de certas partes determinadas. Um deles dizia, falando da vista: é uma faculdade do Espírito e não do corpo; vedes pelos olhos, mas não é o corpo que vê, é o Espírito.

Pela conformação de nossos órgãos, temos necessidade de certos veículos para nossas sensações; é assim que nos é preciso a luz para refletir os objetos, o ar para nos transmitir os sons; esses veículos se tornam inúteis, desde que não possuímos os intermediários que os exigiam. O Espírito vê, pois, sem o socorro da luz, ouve sem necessidade das vibrações do ar. Não há, por isso, escuridão para eles. Temos, assim, a chave das notáveis propriedades dos sonâmbulos lúcidos, que veem e ouvem muito além do alcance dos sentidos materiais. É que a alma, desprendida, goza de parte das prerrogativas que possui em estado de desencarnação.

Mas, as sensações perpétuas e indefinidas, por mais agradáveis que sejam, tornam-se fatigantes, por fim, se a elas não nos podemos subtrair. Tem a alma à faculdade de suspendê-las; ela pode, à vontade, deixar de ver, ouvir, sentir, ou só sentir, ouvir e ver o que quer. Essa faculdade está em razão da superioridade do ser, porque há coisas que os Espíritos inferiores não podem evitar o que lhes toma a situação penosa.

É isto o que o Espírito, a princípio, não percebe. Os atrasados não compreendem, mesmo, nada, tal como entre nós os ignorantes, que veem e se movem sem saber como.

Essa inaptidão para compreender o que lhes está acima do entendimento, unida à jactância, companheira ordinária da ignorância, é a causa das teorias absurdas que apresentam certos Espíritos, e que a nós próprios induziriam em erro se aceitássemos sem controle e sem assegurar-nos pelos meios fornecidos pela experiência e pelo hábito de conversar com eles, do grau de confiança que merecem.


Há sensações que têm, origem no próprio estado de nossos órgãos; ora, as necessidades inerentes ao nosso corpo não podem existir desde que esteja destruído o nosso invólucro carnal. O Espírito não experimenta, pois, nem a fadiga, nem a necessidade de repouso, nem a da nutrição, porque não há nenhum dispêndio a reparar; as enfermidades não o afligem. Se, algumas vezes, os médiuns veem Espíritos corcundas ou coxos, é porque eles tomam essa forma para se fazerem melhor reconhecidos pelas pessoas com quem se relacionam na Terra.

As necessidades do corpo acarretam deveres sociais que não têm razão de ser para os Espíritos; assim as preocupações dos negócios, as mil inquietações a que nos expõe a necessidade de ganhar a vida, a procura das quimeras que nos lisonjeiam a vaidade, os tormentos que criamos por superfluidades, não mais existem para eles. Sorriem de pena, vendo o trabalho a que nos entregamos, para adquirir riquezas vãs ou ridículas frioleiras.

É preciso, porém, certo grau de elevação para contemplar as coisas dessa altura. Os Espíritos vulgares interessam-se, principalmente, em nossas lutas materiais e nelas tomam parte, como podem, e incitam-nos para o bem ou para o mal, conforme sua natureza boa ou perversa.

Os Espíritos inferiores sofrem, mas as angústias não deixam de serem menos dolorosas, por nada terem de físicas. Eles têm todas as paixões, todos os desejos que os atenazavam em vida, e é seu castigo o não poder satisfazê-los. É para eles uma verdadeira tortura, que acreditam perpétuas, porque a própria inferioridade não lhes permite ver-lhe o termo, o que é ainda um castigo.

A palavra articulada é também uma necessidade da nossa organização; os Espíritos não precisam de sons que lhes vão ferir os ouvidos; compreendem-se pela transmissão do pensamento, como acontece, aqui, nos compreendermos pelo olhar. Os espíritos podem, entretanto, produzir certos ruídos; sabemos que eles são capazes de agir sobre a matéria, e esta nos transmite o som; é assim que eles fazem ouvir pancadas ou gritos, e às vezes, cantos no vazio do espaço. Trataremos de tudo o que se refere as manifestações na quinta parte.

Enquanto arrastamos penosamente nosso corpo material, na terra, rastejando presos ao solo, os Espíritos, vaporosos, etéreos, transportam-se sem fadiga de um lugar a outro, transpõem incomensuráveis espaços, com a rapidez do pensamento, e penetram em toda a parte, sem encontrar obstáculos.

O Espírito vê tudo o que vemos e mais claramente; percebe aquilo que os nossos limitados sentidos não o permitem, e, penetrando na matéria, descobre o que ela oculta à nossa vista.


Os Espíritos não são seres vagos, indefinidos, como aprouve afigurá-los até agora, mas individualidades reais, determinadas, circunscritas, que gozam de nossas faculdades e de muitas outras que nos são desconhecidas, porque inerentes à natureza deles.

Eles têm as qualidades da matéria que lhes é própria e formam a população desse universo invisível que nos comprime, nos rodeia, nos acotovela, sem cessar. Suponhamos, um instante, que o véu material que os oculta à nossa vista se levanta; veríamos uma multidão de seres a Cercar-nos, a se agitarem em torno de nós, a contemplar-nos, como o faríamos se, por acaso, nos achássemos em uma reunião de cegos. Para os Espíritos, somos tomados de cegueira e eles são os videntes.

Dissemos que o Espírito ao entrar em sua nova vida, leva algum tempo para reconhecer-se, que tudo é estranho e desconhecido para ele. Perguntar-se,-á, sem dúvida, como pode ser assim se ele já teve outras existências corporais; estas passagens sobre a Terra foram separadas por intervalos no mundo dos Espíritos e, enfim, uma vez que o espaço é sua verdadeira pátria, o Espírito não deve encontrar-se como exilado. Várias causas tendem a tornar novas para ele essas percepções, apesar de já as ter experimentado.

A morte, já o dissemos, é seguida sempre de um instante de perturbação, mas que pode ser de duração curta. Dissipada essa turvação, as ideias se elucidam pouco a pouco, e com elas a lembrança do passado, que só gradualmente volta à memória. Só quando o Espírito está inteiramente desmaterializado é que se desenrolam diante de si as suas vidas anteriores, como uma perspectiva, ao sair lentamente do nevoeiro que a envolvia. Somente, então, se lembra ele da última existência; depois, o panorama de suas passagens sobre a Terra e as voltas ao Espaço se lhes desvelam diante dos olhos. Ele vê os progressos que fez e os que lhe faltam fazer, e assim nasce o desejo de reencarnar, a fim de chegar mais depressa aos mundos felizes que entrevê.


Gabriel Delanne
Do livro “O Espiritismo perante a Ciência”, de Gabriel Delanne.

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