Tomemos
a alma ao sair deste mundo e vejamos o que se passa depois dessa
transmigração. Extinguindo-se as forças vitais, o Espírito se desprende
do corpo no momento em que cessa a vida orgânica; a separação, porém,
não é brusca e instantânea. Começa, algumas vezes, antes da cessação da
vida; não é sempre completa no instante da morte.
Demonstramos
que entre o espírito e o corpo há um laço semimaterial que constitui um
primeiro invólucro; ele não se rompe subitamente, e, enquanto subsiste,
o Espírito fica num estado de perturbação, que pode ser comparado ao
que sucede ao despertar; muitas vezes, mesmo, ele duvida da morte; sente
que existe e não compreende que possa viver sem o corpo, de que se vê
separado; os laços que o unem à matéria o tornam, mesmo, acessível a
certas sensações físicas; dizia um deles que sentia os vermes lhe roerem
o corpo.
O
Espírito só se reconhece, depois de completamente livre: até aí ele não
conhece perfeitamente a sua situação. A duração deste estado de
perturbação é variável; pode ser de algumas horas ou de muitos anos, mas
é raro que, ao fim de alguns dias, ele não se reconheça, mais ou menos
bem.
Não
falamos senão das almas chegadas já a certo grau de adiantamento moral,
porque, entre os selvagens, a vida espiritual não é suficientemente
ativa para que eles se identifiquem com a nova situação. Faz-se que
estes Espíritos reencarnem muito rapidamente, a fim de apressar o
momento em que gozando de seu inteiro livre-arbítrio, tornar-se-ão os
únicos senhores de seus destinos.
Do
mesmo modo para muitos Espíritos das nações civilizadas, a morte produz
tal alteração, que eles acham tudo estranho, e é preciso certo tempo
para que se familiarizem com a nova maneira de perceber as coisas.
É
solene o momento em que um deles vê cessar a sua escravidão pela
ruptura do laço que o retém ao corpo. À entrada no mundo dos Espíritos
ele é acolhido por amigos que o recebem, como de volta de penosa viagem.
Encontra os mortos amados, cuja perda lhe tinha sido cruciante pesar, e
se a travessia foi feliz, se o tempo de exílio foi empregado de forma
proveitosa, é por eles felicitado pelo combate corajosamente sustentado.
Aos pais juntam-se os amigos que ele conheceu outrora e todos, felizes e
radiantes, voam no éter infinito. Começa, então, verdadeiramente, para
ele uma nova existência. - O invólucro fluídico do Espírito constitui
uma espécie de corpo de forma definida, limitada e análoga à nossa.
Vimos pelo estudo dos turbilhões de Helmholtz, como se poderia conceber
este estado, mas este corpo não tem absolutamente os nossos órgãos e não
pode sentir todas as nossas impressões.
Na
Terra, a visão, a audição, o tato dependem de instrumentos cuja
grosseria não nos permite sentir as vibrações, em número infinito, que
se estendem além dos limites de nossas fracas percepções; mas estas
vibrações existem e, para o ser que as pode captar e lhes compreender a
linguagem, devem elas ter uma voz mais penetrante que o majestoso
murmúrio do Oceano e as queixas misteriosas do vento através das
florestas.
O
Espírito sente tudo o que percebemos: a luz, o som, os odores, e estas
sensações não são menos reais, por nada terem de material; elas possuem,
mesmo, algo de mais claro, de mais preciso, de mais sutil, porque
chegam à alma sem intermediário, sem passar, como entre nós, pela série
dos sentidos, que as esmaecem.
A
faculdade de perceber é inerente ao espírito; é um atributo dos seres;
as sensações lhe chegam de toda parte e não de certas partes
determinadas. Um deles dizia, falando da vista: é uma faculdade do
Espírito e não do corpo; vedes pelos olhos, mas não é o corpo que vê, é o
Espírito.
Pela
conformação de nossos órgãos, temos necessidade de certos veículos para
nossas sensações; é assim que nos é preciso a luz para refletir os
objetos, o ar para nos transmitir os sons; esses veículos se tornam
inúteis, desde que não possuímos os intermediários que os exigiam. O
Espírito vê, pois, sem o socorro da luz, ouve sem necessidade das
vibrações do ar. Não há, por isso, escuridão para eles. Temos, assim, a
chave das notáveis propriedades dos sonâmbulos lúcidos, que veem e ouvem
muito além do alcance dos sentidos materiais. É que a alma,
desprendida, goza de parte das prerrogativas que possui em estado de
desencarnação.
Mas,
as sensações perpétuas e indefinidas, por mais agradáveis que sejam,
tornam-se fatigantes, por fim, se a elas não nos podemos subtrair. Tem a
alma à faculdade de suspendê-las; ela pode, à vontade, deixar de ver,
ouvir, sentir, ou só sentir, ouvir e ver o que quer. Essa faculdade está
em razão da superioridade do ser, porque há coisas que os Espíritos
inferiores não podem evitar o que lhes toma a situação penosa.
É
isto o que o Espírito, a princípio, não percebe. Os atrasados não
compreendem, mesmo, nada, tal como entre nós os ignorantes, que veem e
se movem sem saber como.
Essa
inaptidão para compreender o que lhes está acima do entendimento, unida
à jactância, companheira ordinária da ignorância, é a causa das teorias
absurdas que apresentam certos Espíritos, e que a nós próprios
induziriam em erro se aceitássemos sem controle e sem assegurar-nos
pelos meios fornecidos pela experiência e pelo hábito de conversar com
eles, do grau de confiança que merecem.
Há
sensações que têm, origem no próprio estado de nossos órgãos; ora, as
necessidades inerentes ao nosso corpo não podem existir desde que esteja
destruído o nosso invólucro carnal. O Espírito não experimenta, pois,
nem a fadiga, nem a necessidade de repouso, nem a da nutrição, porque
não há nenhum dispêndio a reparar; as enfermidades não o afligem. Se,
algumas vezes, os médiuns veem Espíritos corcundas ou coxos, é porque
eles tomam essa forma para se fazerem melhor reconhecidos pelas pessoas
com quem se relacionam na Terra.
As
necessidades do corpo acarretam deveres sociais que não têm razão de
ser para os Espíritos; assim as preocupações dos negócios, as mil
inquietações a que nos expõe a necessidade de ganhar a vida, a procura
das quimeras que nos lisonjeiam a vaidade, os tormentos que criamos por
superfluidades, não mais existem para eles. Sorriem de pena, vendo o
trabalho a que nos entregamos, para adquirir riquezas vãs ou ridículas
frioleiras.
É
preciso, porém, certo grau de elevação para contemplar as coisas dessa
altura. Os Espíritos vulgares interessam-se, principalmente, em nossas
lutas materiais e nelas tomam parte, como podem, e incitam-nos para o
bem ou para o mal, conforme sua natureza boa ou perversa.
Os
Espíritos inferiores sofrem, mas as angústias não deixam de serem menos
dolorosas, por nada terem de físicas. Eles têm todas as paixões, todos
os desejos que os atenazavam em vida, e é seu castigo o não poder
satisfazê-los. É para eles uma verdadeira tortura, que acreditam
perpétuas, porque a própria inferioridade não lhes permite ver-lhe o
termo, o que é ainda um castigo.
A
palavra articulada é também uma necessidade da nossa organização; os
Espíritos não precisam de sons que lhes vão ferir os ouvidos;
compreendem-se pela transmissão do pensamento, como acontece, aqui, nos
compreendermos pelo olhar. Os espíritos podem, entretanto, produzir
certos ruídos; sabemos que eles são capazes de agir sobre a matéria, e
esta nos transmite o som; é assim que eles fazem ouvir pancadas ou
gritos, e às vezes, cantos no vazio do espaço. Trataremos de tudo o que
se refere as manifestações na quinta parte.
Enquanto
arrastamos penosamente nosso corpo material, na terra, rastejando
presos ao solo, os Espíritos, vaporosos, etéreos, transportam-se sem
fadiga de um lugar a outro, transpõem incomensuráveis espaços, com a
rapidez do pensamento, e penetram em toda a parte, sem encontrar
obstáculos.
O
Espírito vê tudo o que vemos e mais claramente; percebe aquilo que os
nossos limitados sentidos não o permitem, e, penetrando na matéria,
descobre o que ela oculta à nossa vista.
Os
Espíritos não são seres vagos, indefinidos, como aprouve afigurá-los
até agora, mas individualidades reais, determinadas, circunscritas, que
gozam de nossas faculdades e de muitas outras que nos são desconhecidas,
porque inerentes à natureza deles.
Eles
têm as qualidades da matéria que lhes é própria e formam a população
desse universo invisível que nos comprime, nos rodeia, nos acotovela,
sem cessar. Suponhamos, um instante, que o véu material que os oculta à
nossa vista se levanta; veríamos uma multidão de seres a Cercar-nos, a
se agitarem em torno de nós, a contemplar-nos, como o faríamos se, por
acaso, nos achássemos em uma reunião de cegos. Para os Espíritos, somos
tomados de cegueira e eles são os videntes.
Dissemos
que o Espírito ao entrar em sua nova vida, leva algum tempo para
reconhecer-se, que tudo é estranho e desconhecido para ele.
Perguntar-se,-á, sem dúvida, como pode ser assim se ele já teve outras
existências corporais; estas passagens sobre a Terra foram separadas por
intervalos no mundo dos Espíritos e, enfim, uma vez que o espaço é sua
verdadeira pátria, o Espírito não deve encontrar-se como exilado. Várias
causas tendem a tornar novas para ele essas percepções, apesar de já as
ter experimentado.
A
morte, já o dissemos, é seguida sempre de um instante de perturbação,
mas que pode ser de duração curta. Dissipada essa turvação, as ideias se
elucidam pouco a pouco, e com elas a lembrança do passado, que só
gradualmente volta à memória. Só quando o Espírito está inteiramente
desmaterializado é que se desenrolam diante de si as suas vidas
anteriores, como uma perspectiva, ao sair lentamente do nevoeiro que a
envolvia. Somente, então, se lembra ele da última existência; depois, o
panorama de suas passagens sobre a Terra e as voltas ao Espaço se lhes
desvelam diante dos olhos. Ele vê os progressos que fez e os que lhe
faltam fazer, e assim nasce o desejo de reencarnar, a fim de chegar mais
depressa aos mundos felizes que entrevê.
Gabriel Delanne
Do livro “O Espiritismo perante a Ciência”, de Gabriel Delanne.
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