O pequeno Olivier tem apenas dois meses, mas já enfrenta a angústia de se ver no meio de uma decisão dramática.
Sua mãe tem muitos filhos e, por não dispor de meios para criar mais um, decidiu doá-lo. O bebê aguarda numa instituição francesa a data legalmente estabelecida pela legislação do país para que a adoção seja feita.
O prazo de espera corresponde a um tempo definido pelas autoridades para que a mãe biológica possa mudar de ideia e voltar atrás em sua decisão, o que, no caso de Olivier, acaba não acontecendo.
Desde o momento em que foi considerado "adotável", começaram a aparecer sintomas estranhos no corpo do pequeno. Crostas impressionantes surgiram em seu rosto e couro cabeludo. A pele começou a descamar e as vias respiratórias, a chiar fortemente.
Por não conseguirem lidar com o novo quadro clínico do bebê, os médicos decidem chamar um psicanalista. É quando entra em cena Caroline Eliacheff, que vai mudar a existência de Olivier, no momento grave dos primeiros contatos dele com a vida.
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Este caso está narrado no livro Corpos que gritam¹. Eliacheff é uma das psicanalistas mais reconhecidas dentro de um movimento que há cerca de trinta anos vem mudando o perfil do tratamento de crianças em fase pré e pós-natal.
A psicanálise de bebês e de recém-nascidos tem crescido sobretudo na França. Além de Caroline, outros profissionais, que também integram o time de especialistas nessa abordagem diferenciada, são Myriam Szejer² e Catherine Druon na França, e Romana Negri, na Itália.
No Brasil, uma das maiores estudiosas do assunto é a psicóloga clínica polonesa Joanna Wilheim, que veio para o país ainda na infância com os pais, durante a Segunda Guerra Mundial. Seu interesse por psiquismo pré-natal começou na década de 1960. Nos anos seguintes, a partir de uma experiência pessoal com o psicanalista indiano Wilfred Bion, passou a investigar a presença de inscrições traumáticas pré-natais na mente de crianças, adolescentes e/ou adultos.
Seu interesse pelo tema levou-a a fundar, em 1991, a Associação Brasileira para o Estudo do Psiquismo Pré e Perinatal (ABREP). É autora do livro O que é Psicologia Pré-natal, no qual me baseio para escrever este artigo.
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A chamada psicanálise de bebês consiste em utilizar a palavra falada com recém-nascidos, quando estes manifestam algum tipo de sofrimento.
Nesta abordagem, o psicanalista procura apreender, através do relato que lhe fazem os pais ou aqueles que cuidam do bebê, o que em sua história - seja durante a vida intra-uterina, ou na história de sua família antes dele vir-a-ser - teria constituído as matrizes dos sintomas que ele apresenta.
Ao "conversar" com o bebê, o profissional dá nome à memória "instalada" no seu corpo. Como o que existe na vivência do recém-nascido é uma dor, o psicanalista coloca em seu lugar um significado, onde antes só existia o "não dito", uma "falta de palavras".
Entre os pressupostos mais importantes para a realização desse trabalho, estão a crença de que o corpo guarda a memória de tudo que lhe ocorre, de que cada célula do corpo registra toda a vivência pré e pós-natal, e que os recém-nascidos (incluindo prematuros) sentem dor e merecem ser respeitados em seus limites.
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A Doutrina Espírita ressalta a importância de se considerar a memória prévia do ser como estrutura fundamental de sua condição existencial. O "inconsciente" de Freud é a parte da atividade mental que inclui os desejos e as aspirações primitivas ou reprimidas.
O Espírito Joanna de Ângelis afirma que para a Psicologia Transpessoal esse inconsciente é o espírito, que se encarrega do controle da inteligência fisiológica e suas memórias - campo perispiritual -, as áreas dos instintos e das emoções, as faculdades e funções paranormais, abrangendo as mediúnicas.4
O Espírito André Luiz analisa essa questão com profundidade no livro No Mundo Maior,5 quando dialoga com o instrutor Calderaro. O Benfeitor explica que o ser humano tem, em sua constituição cerebral, como que um castelo com três regiões distintas, ou com três andares, para melhor entendimento: "[...] no primeiro [esclarece Calderaro] situamos a 'residência de nossos impulsos automáticos', simbolizando o sumário vivo dos serviços realizados; no segundo, localizamos o 'domicílio das conquistas atuais', onde se erguem e se consolidam as qualidades nobres que estamos edificando [no presente]; no terceiro, temos a 'casa das noções superiores', indicando as eminências que nos cumpre atingir [...]".
Calderaro esclarece que "[...] distribuímos, deste modo, nos três andares, o subconsciente, o consciente e o superconsciente. Como vemos, possuímos, em nós mesmos, o passado, o presente e o futuro".5
Pode-se intuir com isso que o bebê efetivamente carrega em si, em suas células, em seu corpo, o que traz no Espírito imortal, ou seja, toda a sua carga de verdades pessoais que lhe evidenciam a evolução. Se a Ciência está se instrumentalizando para acessar esses dados, tanto melhor para todos, que ficarão face a face cada vez mais rapidamente com a verdade da pre-existência do Espírito e sua total influência nas condições de saúde do cropo, tanto no aspecto físico quanto no emocional.
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Olivier chegou para a consulta com Eliacheff nos braços da berçarista que cuidava dele. Depois de se inteirar mais a fundo do caso, a doutora disse a ele o quanto sua mãe lhe queria bem. Ressaltou que a opção que ela tomou de deixá-lo para adoção foi para oferecer-lhe oportunidades de vida melhores do que as que ela lhe poderia dar.
A terapeuta afirmou ainda que, para que ele fosse aceito pela sua família de adoção, precisava mudar de pele a fim de recuperar a saúde e iniciar uma nova etapa na vida.
Após uma semana desse contato, Olivier retornou ao atendimento. Sua pele estava totalmente curada, mas a respiração havia se tornado mais ruidosa do que antes. Caroline se dirigiu ao bebê, acariciando o seu umbigo e dizendo-lhe:
"- Quando você estava no ventre de sua mãe, você não respirava. Sua mãe o alimentava através da placenta à qual você estava ligado pelo cordão umbilical. Esse cordão chegava aí no lugar onde está a minha mão. ele foi cortado quando você nasceu. Você está respirando muito mal, talvez para reencontrar a sua mãe de antes da separação, quando você estava dentro dela e não respirava".
Depois de uma breve pausa, carregada de carinho e respeito pela condição do bebê, a psicanalista retomou a fala:
"- Se você decidiu viver, não pode viver sem respirar. A sua mãe de antes, você a traz dentro de si, dentro de seu coração. Não é por você ter respirado que a perdeu. Não é deixando de respirar que irá reencontrá-la".
Quando terminou sua fala, Eliacheff constatou, abismada, tanto quanto a berçarista, que a respiração do bebê estava absolutamente normalizada!
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Este tipo de relato reforça a profunda sintonia da Doutrina Espírita com as mais avançadas pesquisas da Ciência, sobretudo as que consideram a delicada questão da vida intra-uterina.
Em breve tempo, esperamos que os cientistas constatem que a memória, que por enquanto, para eles, "mora" no corpo, reside na verdade em local mais profundo, nas entranhas da constituição espiritual.
Ela tem sua matriz no Espírito e se espraia célula a célula, como impacto direto das emanações do perispírito.
Enquanto aguardamos o domínio dessa consciência, aplaudimos os avanços científicos da Psicologia, inegavelmente importantes para a Humanidade, em que se resgata a grandeza do momento de chegada do Espírito a uma nova encarnação.
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Referências:
¹ Eliacheff, Caroline. Corpos que gritam. São Paulo: Ed. Ática, 1995.
² Wilheim, Joanna. O que é psicologia pré-natal. São Paulo: Ed. Casa do Psicólogo, 1997.
³ Szejer, Miriam. Palavras para nascer: a escuta psicanalítica na maternidade. São Paulo: Ed. Casa do Psicólogo, 1999.
4 Franco, Divaldo Pereira. Autodescobrimento: uma busca interior. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. Salvador: Leal, 1995, p. 62.
5 Xavier, Francisco C. No mundo maior. Pelo Espírito André Luiz. 26. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Cap. 3, p. 54; e cap. 4.
Fonte: Revista Reformador, outubro/2008.
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