Repouso eterno: o consolo que não consola
"Semeia-se corpo animal e se colhe corpo espiritual" Paulo (1 Cor. 15:44)
Quando
alguém morre, para consolo dos familiares e entes queridos, muitos
dizem que a pessoa “descansou”. A posição do corpo carnal, com olhos
fechados e sem movimento, dá aos que ficam uma impressão de “sono”.
Entretanto, quando dormimos, “treinamo-nos para a morte”, pois
parcialmente nos desprendemos do corpo. Aí sim descansamos o corpo, mas o
espírito está muitas vezes em ação na espiritualidade. Em que pese a
força do hábito ou a falta do que dizer nesta hora da separação, a idéia
do repouso eterno não resolve o problema da dor e
não representa consolação. A pessoa querida, então, teria vivido uma
história de amor, de lágrimas e alegrias para depois nunca mais se
lembrar de nada? Pensar sobre a morte e o pós-morte ajuda a dar sentido
para a vida na Terra. Nos torna mais realistas e redimensiona
as prioridades de nosso cotidiano. Lembrar que vamos morrer intensifica o
valor da oportunidade de viver, remetendo-nos à eternidade de nossa
existência. Na Revista Espírita achei
um artigo que, de forma muito bonita, trata deste assunto. Está em uma
publicação de 1865, em texto em que o espírito Sonnez vem ao
seu testemunho, com certo tom de ironia, indignação e sabedoria. Coloco
aqui este verdadeiro manifesto contra o repouso eterno e contra o
materialismo.
O repouso eterno
(Sociedade de Paris, 13 de outubro de 1865 – Médium: Sr. Leymarie)
Quando deixei o invólucro terreno, pronunciaram vários discursos sobre o meu túmulo, impregnados todos pela mesma idéia.
Sonnez, meu amigo, ides gozar do repouso eterno.
Alma, dizia o padre, repousai na contemplação divina.
Amigo, repetia o terceiro, dorme em paz, após uma vida de tantas realizações.
Enfim, era o repouso eterno contínuo, que ressaltava do fundo de tantos adeuses comoventes.
O
repouso eterno! Que entendiam por esta expressão e pelas mesmas
palavras continuamente repetidas, cada vez que um homem desaparecia na
Terra e ia para o desconhecido?
Ah! meus amigos, dizeis que repousamos. Estranho erro! compreendeis o repouso à vossa maneira.
Olhai
ao redor de vós: existe repouso? Neste momento as árvores vão
despojar-se de seus envoltórios encantadores; tudo geme nesta estação; a
Natureza parece preparar-se para a morte e, no entanto, se se procurar,
achar-se-á a vida em preparação sob essa morte aparente; tudo se depura
nesse grande laboratório terrestre: a seiva e a flor, o inseto e o
fruto, tudo
que deve adornar e fecundar.
Esta
montanha, que parece ter uma imobilidade eterna, não repousa. As
moléculas infinitas que a compõem realizam um trabalho enorme; umas
tendem a se agregar, outras a se separar; e essa lenta transformação
inicialmente causa espanto e depois admiração ao pesquisador que acha em
tudo instintos diversos e mistérios a explorar.
E
se a Terra assim se agita em suas entranhas, é que esse grande cadinho
elabora e prepara o ar que respirais, os gases que devem sustentar a
Natureza inteira.
É
que ela imita os milhões de planetas que percebeis no espaço, e cujos
movimentos diários, o trabalho contínuo, obedecem à vontade soberana.
Sua evolução é matemática, e se encerram outros elementos além dos que
vos
fazem agir, ide! crede-o, esses elementos trabalham a sua depuração, a
sua perfeição. Sim, a sua perfeição; porque é a palavra eterna.
A
perfeição é o objetivo e, para alcançá-lo, átomos, moléculas, seiva,
minerais, árvores, animais, homens, planetas e Espíritos se empenham
nesse movimento geral, que é admirável por sua diversidade, pois é
harmonia. Todas as tendências visam ao mesmo objetivo, e esse objetivo é
Deus, centro de toda atração.
Depois
de minha partida da Terra, minha missão não está realizada. Busco e
trabalho todos os dias; meu pensamento alargado abarca melhor o poder
dirigente; sinto-me melhor fazendo o bem e, como eu, legiões inumeráveis
de Espíritos preparam o futuro. Não acrediteis no repouso eterno! Os
que pronunciam tais palavras não lhes compreendem o vazio. Vós todos que
ouvis, podeis aniquilar o pensamento, forçá-lo ao repouso?
Oh!
não; a vagabunda procura e procura sempre e não desagrada aos amáveis e
úteis charlatães, que negam o Espírito e o seu poder. O Espírito
existe, nós o provamos e o provaremos melhor quando chegar a hora. Nós
lhes ensinaremos, a esses apóstolos da incredulidade, que o homem não é o
nada, uma agregação de átomos reunidos ao acaso e destruídos da mesma
forma. Nós lhes mostraremos o homem radiante por sua vontade e seu
livre-arbítrio, senhor de seus destinos
e elaborando na geena terrena o poder da ação necessária a outras vidas, a outras provas.
SONNEZ
Fonte: Revue Spirite (Revista Espírita) – novembro de 1865, “Dissertações
Espíritas”. 2. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. p. 467-469.
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