"O tempo não é condição demarcatória para candidatar-nos
a ser ou não cristãos,
mas sim nosso comportamento diante da mensagem.
“O reino dos céus é semelhante a um pai de família que saiu de madrugada, a fim de assalariar trabalhadores para a sua vinha.”
Deus,
este Pai de família que cria incessante e obstinadamente, convida todos
nós a trabalhar na sua vinha, em sua obra. Alguns chegaram muito antes,
outros depois, enquanto há aqueles que ainda não despertaram para a
verdade bendita, a transformação moral que O Evangelho Segundo o
Espiritismo, a Doutrina Cristã e o Mestre Jesus vieram nos ensinar.
Em
suas passagens evangélicas, Jesus sempre traz, na simplicidade do
ensino, as experiências pessoais do povo. Nós, espíritas, fazemos o
mesmo para convocar as pessoas a um pensamento, a um entendimento mais
fácil, para que depois, cada um à sua maneira, possa trazer para a sua
vida pessoal e para as suas experiências a compreensão daquela mensagem.
Jesus sempre traz um elemento pedagógico para fixar o aprendizado.
“Tendo
convencionado com os trabalhadores que pagaria um denário a cada um por
dia, mandou-os para a vinha. – Saiu de novo à terceira hora do dia e,
vendo outros que se conservavam na praça sem fazer coisa alguma, –
disse-lhes: Ide também vós outros para a minha vinha e vos pagarei o que
for razoável. Eles foram.”
A questão do denário é para explicitar
a vinculação ao pagamento, entendendo-se aqui que foi estipulado um
valor como provento pelo serviço prestado. Outro ponto a ser destacado
neste trecho: pagará o que for razoável. Todos nós que nos dedicamos à
labuta espírita, falando dos trabalhadores em particular, nos
convencionamos, mesmo que implicitamente, a um “salário”. Este pode ser
pago através da prece ou acreditando que os bons Espíritos, alguma obra
ou algo de bom nos ajudarão nos momentos de sofrimento.
Estipulamos
algo, um pagamento, mesmo de forma inconsciente, proporcional àquilo
que estamos fazendo. Vivenciar, pois, o altruísmo é algo difícil de ser
verificado. Significa sair e deixar de enxergar a si próprio e passar a
observar a necessidade do outro, sem esperar algo em troca. Podemos não
esperar do outro, mas esperamos dos Espíritos, da Divindade, da Lei, de
alguém. De alguma forma combinamos uma retribuição, uma restituição por
aquilo que estamos fazendo. Então, por analogia, todos aqueles que eram
convocados a trabalhar na vinha daquele senhor esperavam receber o
pagamento razoável diante de seu trabalho.
“Saiu novamente à hora
sexta e à hora nona do dia e fez o mesmo. – Saindo mais uma vez à hora
undécima, encontrou ainda outros que estavam desocupados, aos quais
disse: Por que permaneceis aí o dia inteiro sem trabalhar? – É, disseram
eles, que ninguém nos assalariou. Ele então lhes disse: Ide vós também
para a minha vinha.”
A questão das horas destacadas explica-se
porque, à época, o dia de trabalho começava às seis horas da manhã e
terminava às dezoito horas. As horas em questão são respectivamente:
seis, doze, quinze e dezessete horas. A hora undécima, correspondia às
dezessete horas, sendo este o elemento estranho da passagem.
Aos
que desejamos trabalhar na Vinha do Senhor, que procuramos por essa
renovação moral, por essa transformação de nós mesmos, que buscamos o
melhoramento, que temos como ponto de partida a modificação interior
para chegarmos à perfeição, para todos nós, não importa a hora da vida
que acordamos para a verdade eterna. Se são nas nossas primeiras horas
da encarnação, alguns adentram na adolescência, outros na fase adulta,
uns na idade madura, outros às portas de desencarnar, na hora undécima,
mas todos somos convidados pelo Senhor.
Que importa em que momento
estamos? Todos nós abraçamos a Doutrina Espírita, voltando o olhar para
esta mensagem rediviva que nos cala fundo e nos diz que existe uma vida
melhor, bastando nos colocarmos à disposição dessa modificação,
trabalhando por nós, melhorando quem somos no silêncio do aprendizado.
“Ao
cair da tarde disse o dono da vinha àquele que cuidava dos seus
negócios: Chama os trabalhadores e paga-lhes, começando pelos últimos e
indo até aos primeiros.”
Mesmo entre os espíritas este trecho
causa certo desajuste. Esquecemos que nosso acordo foi com a Lei, com a
própria consciência, não com os homens. Aportamos numa instituição e nos
candidatamos a realizar trabalhos, abraçando um após outro, e às vezes
verificamos que outro companheiro espírita realiza somente um e é
ovacionado. Tal fato pode causar descontentamento. Mas será que ao
absorvermos os trabalhos que nos foram ofertados, realmente entendemos o
sentido da obra ou queríamos tão somente ser bem quistos pela
coletividade?
“Aproximando-se então os que só à undécima hora
haviam chegado, receberam um denário cada um. – Vindo a seu turno os que
tinham sido encontrados em primeiro lugar, julgaram que iam receber
mais; porém, receberam apenas um denário cada um. – Recebendo-o,
queixaram-se ao pai de família, – dizendo: Estes últimos trabalharam
apenas uma hora e lhes dás tanto quanto a nós que suportamos o peso do
dia e do calor. Mas, respondendo, disse o dono da vinha a um deles: Meu
amigo, não te causo dano algum; não convencionaste comigo receber um
denário pelo teu dia? Toma o que te pertence e vai-te; apraz-me a mim
dar a este último tanto quanto a ti. – Não me é então lícito fazer o que
quero? Tens mau olho, porque sou bom? Assim, os últimos serão os
primeiros e os primeiros serão os últimos, porque muitos são os chamados
e poucos os escolhidos.” (S. MATEUS, cap. XX, vv. 1 a 16.)
Quando
nos dedicamos a qualquer obra, inclusive a de renovação íntima,
acordamos com a Divindade o que entendemos como sendo bom e razoável.
Somos, contudo, tão infantis espiritualmente que quando vemos nosso
próximo recebendo um pouco mais do que estamos recebendo, e acreditamos
que ele não se esforçou tanto quanto nós, reclamamos com a Divindade,
esquecendo-nos da carga reencarnatória de méritos que possuímos e o
porvir da criatura.
Às vezes estamos há décadas na Doutrina
Espírita, mas ela não completou um ano em nossas vidas, enquanto outros
adentraram há pouco e já a incorporaram plenamente. O tempo não é
condição demarcatória para candidatar-nos a ser ou não cristãos, mas sim
nosso comportamento diante da mensagem. Somos todos trabalhadores da
última hora, sendo convocados incessantemente pelo Pai, num convite
amoroso a trabalharmos na sua Vinha de Renovação.
por Walkiria Lucia de Araujo Cavalcante
Revista Internacional de Espiritismo - março/2018