Eternidade

Eternidade

domingo, 30 de outubro de 2016

IMORTALIDADE



A morte não é o fim.
Criado para a vida, o Espírito transfere-se constantemente
de um estado vibratório para outro, sem perder a imortalidade.
Repara nos exemplos da natureza.
A destruição da semente em contato com o solo
não passa de transformação da vida gerando mais vida.
O sol, que se oculta com a chegada da noite, 
ressurge a cada amanhecer, sem jamais deixar de brilhar.

Se te ressentes da ausência do afeto que a desencarnação
transferiu para a vida no Além,
não te revoltes nem te desesperes.
Corações amoráveis o acompanham, tanto quanto a ti,
a fim de que a vida de cada um siga em paz 
na direção do progresso.
Confia no Pai e prossegue vivendo, fazendo o melhor
ao teu alcance.

A felicidade de quem segue no Além muitas vezes
depende do equilíbrio de quem permanece na Terra.
Entrega-te ao trabalho construtivo,
orando e servindo, e contarás com os eflúvios 
de luz e paz que vertem do Alto,
favorecendo-te na jornada redentora, até que te
reencontres com os corações queridos,
em comunhão de amor nos domínios da eternidade.


Clayton Levy / Scheilla (espírito) 







 

 A morte não existe - somos espíritos imortais em aprendizado,
ora vestindo um corpo de carne, ora estagiando na Pátria Espiritual.
Encarnamos, sempre que necessário ao nosso aprendizado.
E passamos aqui na Terra um breve tempo, muito breve mesmo,
se comparado à nossa existência imortal.

Temos parentes e amigos a quem muito amamos - aqui e lá.
Porque nossa parentela não se limita a que ora conhecemos
no mundo carnal.

Nossa parentela espiritual é imensa - fruto
das várias encarnações que tivemos.
E, de lá, também eles torcem, vibram por nós.

Quando encarnamos, continuamos ligados a eles, pelos fios do amor.
E estes mesmos fios nos mantêm ligados aos que aqui permanecem,
quando desencarnamos.
Ou seja, o amor permanece nos unindo. 
Sempre.
Lá ou cá, continuamos juntos, em processo de crescimento.

Então, sabendo disso, que possamos enviar
para os nossos amores que nos antecederam
muita energia de amor, paz, alegria e certeza de que
um dia estaremos todos juntos, sem mais adeus.

Que sua semana seja de introspecção.
E, em agindo assim, você sinta expandir-se em amor,
amor este capaz de envolver com suavidade todos
os que lhe são caros,
deste e do Plano Maior.





Fonte: Casa Espírita Eurípedes Barsanulfo
Núcleo Chico Xavier

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

A disciplina do pensamento


Vivemos numa época de anemia intelectual, que é causada pela raridade dos estudos sérios, pela procura abusiva da palavra pela palavra, da forma enfeitada e oca, e, principalmente, pela insuficiência dos educadores da mocidade. Apliquemo-nos a obras mais substanciais, a tudo o que pode esclarecer-nos a respeito das leis profundas da vida e facilitar nossa evolução.
Pouco a pouco, edificar-se-ão em nós uma inteligência e uma consciência mais fortes e nosso corpo fluídico iluminar-se-á com os reflexos de um pensamento elevado e puro. Dissemos que a alma oculta profundezas onde o pensamento raras vezes desce, porque mil objetos externos ocupam-no incessantemente.
 
 
Sua superfície, como a do mar, é muitas vezes agitada; mas por baixo se estendem regiões inacessíveis às tempestades. Aí dormem as potências ocultas, que esperam nosso chamamento para emergirem e aparecerem. O chamamento raras vezes se faz ouvir e o homem agita-se em sua indigência, ignorante dos tesouros inapreciáveis que nele repousam.


É necessário o choque das provações, as horas tristes e desoladas para fazer-lhe compreender a fragilidade das coisas externas e encaminhá-lo para o estudo de si mesmo, para a descoberta de suas verdadeiras riquezas espirituais.
É por isso que as grandes almas se tornam tanto mais nobres e belas quanto mais vivas são suas dores. A cada nova desgraça que as fere têm a sensação de se haverem aproximado um pouco mais da verdade e da perfeição, e com esse pensamento experimentam uma espécie de volúpia amarga.
Levantou-se no céu de seu destino uma nova estrela, cujos raios trêmulos penetram no santuário de sua consciência e lhe iluminam os recônditos. Nas inteligências de cultura elevada faz sementeira a desgraça: cada dor é um sulco onde se levanta uma seara de virtude e beleza.
Em certas horas de nossa vida, quando morre nossa mãe, quando se desmorona uma esperança ardentemente acariciada, quando se perde a mulher, o filho amado, cada vez que se despedaça um dos laços que nos ligavam a este mundo, uma voz misteriosa eleva-se nas profundezas de nossa alma, voz solene que nos fala de mil leis augustas, mais veneráveis que as da Terra, e entreabre-se todo um mundo ideal.
Mas os ruídos do exterior abafam-na bem depressa e o ser humano recai quase sempre em suas dúvidas, em suas hesitações, na vulgaridade de sua existência. Não há progresso possível sem observação atenta de nós mesmos. É necessário vigiar todos os nossos atos impulsivos para chegarmos a saber em que sentido devemos dirigir nossos esforços para nos aperfeiçoarmos.
Primeiramente, regular a vida física, reduzir as exigências materiais ao necessário, a fim de garantir a saúde do corpo, instrumento indispensável para o desempenho de nosso papel terrestre; em seguida, disciplinar as impressões, as emoções, exercitando-nos em dominá-las, em utilizá-las como agentes de nosso aperfeiçoamento moral; aprender principalmente a esquecer, a fazer o sacrifício do “eu”, a desprender-nos de todo o sentimento de egoísmo.
A verdadeira felicidade neste mundo está na proporção do esquecimento próprio. Não basta crer e saber, é necessário viver nossa crença, isto é, fazer penetrar na prática diária da vida os princípios superiores que adotamos; é necessário habituarmo-nos a comungar pelo pensamento e pelo coração com os Espíritos eminentes que foram os reveladores, com todas as almas de escol que serviram de guias à humanidade, viver com eles numa intimidade cotidiana, inspirarmo-nos em suas vistas e sentir sua influência pela percepção íntima que nossas relações com o mundo invisível desenvolvem.
Entre essas grandes almas é bom escolher uma como exemplo, a mais digna de nossa admiração e, em todas as circunstâncias difíceis, em todos os casos em que nossa consciência oscila entre dois partidos a tomar, inquirirmos o que ela teria resolvido e procedermos no mesmo sentido.
Assim, pouco a pouco iremos construindo, de acordo com esse modelo, um ideal moral que se refletirá em todos os nossos atos. Todo homem, na humilde realidade de cada dia, pode ir modelando uma consciência sublime. A obra é vagarosa e difícil, mas para isso são-nos dados os séculos.
Concentremos, pois, muitas vezes nossos pensamentos, para dirigi-los, pela vontade, em direção ao ideal sonhado. Meditemos nele todos os dias, à hora certa, de preferência pela manhã, quando tudo está sossegado e repousa ainda à nossa volta, nesse momento a que o poeta chama “a hora divina”, quando a Natureza, fresca e descansada, acorda para as claridades do dia.
Nas horas matinais, a alma, pela oração e pela meditação, eleva-se com mais fácil impulso até às alturas donde se vê e compreende que tudo – a vida, os atos, os pensamentos – está ligado a alguma coisa grande e eterna e que habitamos um mundo em que potências invisíveis vivem e trabalham conosco.
Na vida mais simples, na tarefa mais modesta, na existência mais apagada, mostram-se, então, faces profundas, uma reserva de ideal, fontes possíveis de beleza. Cada alma pode criar com seus pensamentos uma atmosfera espiritual tão bela, tão resplandecente, como nas paisagens mais encantadoras; e na morada mais mesquinha, no mais miserável tugúrio, há frestas para Deus e para o infinito!
Em todas as nossas relações sociais, em nossas relações com os nossos semelhantes, é preciso lembrarmo-nos constantemente de que os homens são viajantes em marcha, ocupando pontos diversos na escala da evolução pela qual todos subimos. Por conseguinte, nada devemos exigir, nada devemos esperar deles que não esteja em relação com seu grau de adiantamento.
A todos devemos tolerância, benevolência e até perdão; porque se nos causam prejuízo, se escarnecem de nós e nos ofendem, é quase sempre pela falta de compreensão e de saber, resultantes de desenvolvimento insuficiente. Deus não pede aos homens senão o que eles têm podido adquirir à custa de lentos e penosos trabalhos.
Não temos o direito de exigir mais. Não fomos semelhantes aos mais atrasados deles? Se cada um de nós pudesse ler em seu passado o que foi, o que fez, quanto não seria maior nossa indulgência para com as faltas alheias! Às vezes, também nós carecemos da mesma indulgência que lhes devemos. Sejamos severos conosco e tolerantes com os outros. Instruamo-los, esclareçamo-los, guiemo-los com doçura, é o que a lei de solidariedade nos preceitua.
Enfim, é preciso saber suportar todas as coisas com paciência e serenidade. Seja qual for o procedimento de nossos semelhantes para conosco, não devemos conceber nenhuma animosidade ou ressentimento; mas, ao contrário, saibamos fazer reverter em benefício de nossa própria educação moral todas as causas de aborrecimento e aflição.
Nenhum revés poderia atingir-nos, se, por nossas vidas anteriores e culpadas, não tivéssemos dado margem à adversidade. É isso o que muitas vezes se deve repetir. Chegaremos, assim, a aceitar todas as provações sem amargura, considerando-as como reparação do passado ou como meio de aperfeiçoamento.
De grau em grau chegaremos, assim, ao sossego de espírito, à posse de nós mesmos, à confiança absoluta no futuro, que dão a força, a quietação, a satisfação íntima, permitindo-nos permanecer firmes no meio das mais duras vicissitudes.
Quando chega a idade, as ilusões e as esperanças vãs caem como folhas mortas; mas as altas verdades aparecem com mais brilho, como as estrelas no céu de inverno através dos ramos nus de nossos jardins. Pouco importa, então, que o destino não nos tenha oferecido nenhuma glória, nenhum raio de alegria, se tiver enriquecido nossa alma com mais uma virtude, com alguma beleza moral.
As vidas obscuras e atormentadas são, às vezes, as mais fecundas, ao passo que as vidas suntuosas nos prendem, bastas vezes e por muito tempo, na corrente formidável de nossas responsabilidades. A felicidade não está nas coisas externas nem nos acasos do exterior, mas somente em nós mesmos, na vida interna que soubermos criar.
Que importa que o céu esteja escuro por cima de nossas cabeças e os homens sejam ruins em volta de nós, se tivermos a luz na fronte, alegria do bem e a liberdade moral no coração? Se, porém, eu tiver vergonha de mim mesmo, se o mal tiver invadido meu pensamento, se o crime e a traição habitarem em mim, todos os favores e todas as felicidades da Terra não me restituirão a paz silenciosa e a alegria da consciência.
O sábio cria, desde este mundo, para si mesmo, um refúgio seguro, um lugar sagrado, um retiro profundo, aonde não chegam as discórdias e as contrariedades do exterior. Do mesmo modo, na vida do espaço a sanção do dever e a realização da justiça são de ordem inteiramente íntima; cada alma traz em si sua claridade ou sua sombra, seu paraíso ou seu inferno.
Mas, lembremo-nos de que nada há irreparável; a situação atual do Espírito inferior não é mais que um ponto quase imperceptível na imensidade de seus destinos.
Texto do Livro: O Problema do Ser, do Destino e da Dor
Autor: Leon Denis
 

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Numa cidade estranha...


Após a travessia de várias regiões, “em descida”, com escalas por diversos postos e instituições socorristas, penetramos vasto domínio de sombras. A claridade solar jazia diferençada. Fumo cinzento cobria o céu em toda a sua extensão. A volitação fácil se fizera impossível.

A vegetação exibia aspecto sinistro e angustiado. As árvores não se vestiam de folhagem farta e os galhos, quase secos, davam a ideia de braços erguidos em súplicas dolorosas. Aves agoureiras, de grande tamanho, de uma espécie que poderá ser situada entre os corvídeos crocitavam em surdina, semelhando-se a pequenos monstros alados espiando presas ocultas.
 
O que mais contristava, porém, não era o quadro desolador, mais ou menos semelhante a outros de meu conhecimento, e, sim, os apelos cortantes que provinham dos charcos. Gemidos tipicamente humanos eram pronunciados em todos os tons.


Acredito, teríamos examinado individualmente os sofredores que aí se localizavam, se nos entregássemos a detida apreciação; todavia, Gúbio, à maneira de outros instrutores, não se detinha para atender a curiosidade improfícua. Lembrando a “selva escura” a que Alighieri se reporta no imortal poema, eu trazia o coração premido de interrogativas inquietantes.

Aquelas árvores estranhas, de frondes ressecadas, mas vivas, seriam almas convertidas em silenciosas sentinelas de dor, qual a mulher de Lot, transformada simbolicamente em estátua de sal? E aquelas grandes corujas diferentes, cujos olhos brilhavam desagradavelmente nas sombras, seriam homens desencarnados sob tremendo castigo da forma? Quem chorava nos vales extensos de lama? Criaturas que houvessem vivido na Terra que recordávamos, ou duendes desconhecidos para nós?

De quando em quando, grupos hostis de entidades espirituais em desequilíbrio nos defrontavam, seguindo adiante, indiferentes, incapazes de registrar-nos a presença. Falavam em alta voz, em português degradado, mas inteligível, evidenciando, pelas gargalhadas, deploráveis condições de ignorância. Apresentavam-se em trajes bisonhos e conduziam apetrechos de lutar e ferir.

Avançamos mais profundamente, mas o ambiente passou a sufocar-nos. Repousamos, de algum modo, vencidos de fadiga singular, e Gúbio, depois de alguns momentos, nos esclareceu: Nossas organizações perispiríticas, à maneira de escafandro estruturado em material absorvente, por ato deliberado de nossa vontade, não devem reagir contra as baixas vibrações deste plano.

Estamos na posição de homens que, por amor, descessem a operar num imenso lago de lodo; para socorrer eficientemente os que se adaptaram a ele, são compelidos a cobrir-se com as substâncias do charco, sofrendo-lhes, com paciência e coragem, a influenciação deprimente.

Atravessamos importantes limites vibratórios e cabe-nos entregar a forma exterior ao meio que nos recebe, a fim de sermos realmente úteis aos que nos propomos auxiliar. Finda a nossa transformação transitória, seremos vistos por qualquer dos habitantes desta região menos feliz.

A oração, de agora em diante, deve ser nosso único fio de comunicação com o Alto, até que eu possa verificar, quando na Crosta, qual o minuto mais adequado de nosso retorno aos dons luminescentes. Não estamos em cavernas infernais, mas atingimos grande império de inteligências perversas e atrasadas, anexo aos círculos da Crosta, onde os homens terrestres lhes sofrem permanente influenciação. Chegou para nós o momento de pequeno testemunho.

Muita capacidade de renúncia é indispensável, a fim de alcançarmos nossos fins. Podemos perder por falta de paciência ou por escassez de vocação para o sacrifício. Para a malta de irmãos retardados que nos envolverá, seremos simples desencarnados, ignorantes do próprio destino. Passamos a inalar as substâncias espessas que pairavam em derredor, como se o ar fosse constituído de fluidos viscosos.

Elói estirou-se, ofegante, não obstante experimentar, por minha vez, asfixiante opressão, busquei padronizar atitudes pela conduta do Instrutor, que tolerava a metamorfose, silencioso e palidíssimo. Reparei, confundido, que a voluntária integração com os elementos inferiores do plano nos desfigurava enormemente.

Pouco a pouco, sentimo-nos pesados e tive a ideia de que fora, de improviso, religado, de novo, ao corpo de carne, porque, embora me sentisse dono da própria individualidade, me via revestido de matéria densa, como se fosse obrigado a envergar inesperada armadura.

Decorridos longos minutos, o orientador apelou, diligente: Prossigamos! Doravante, seremos auxiliares anônimos. Não nos convém, por enquanto, a identificação pessoal. Mas, não será isto mentir? Clamou Elói, quase refeito. Gúbio dividiu conosco um olhar de benevolência e explicou, bondoso:

— Não te recordas do texto evangélico que recomenda não saiba a mão esquerda o que dá a direita? Este é o momento de ajudarmos sem alarde. O Senhor não é mentiroso quando nos estende invisíveis recursos de salvação, sem que lhe vejamos a presença. Nesta cidade sombria, trabalham inúmeros companheiros do bem nas condições em que nós achamos.

Se erguermos bandeira provocante, nestes campos, nos quais noventa e cinco por cento das inteligências se encontram devotadas ao mal e à desarmonia, nosso programa será estraçalhado em alguns instantes. Centenas de milhares de criaturas aqui padecem amargos choques de retorno à realidade, sob a vigilância de tribos cruéis, formadas de espíritos egoístas, invejosos e brutalizados.

Para a sensibilidade medianamente desenvolvida, o sofrimento aqui é inapreciável. E há governo estabelecido num reino estranho e sinistro quanto este? — Indaguei. Como não? — Respondeu Gúbio, atenciosamente. Qual ocorre na esfera carnal, a direção, neste domínio, é concedida pelos Poderes Superiores, a título precário.

Na atualidade, este grande empório de padecimentos regenerativos permanece dirigido por um sátrapa de inqualificável impiedade, que aliciou para si próprio o pomposo título de Grande Juiz, assistido por assessores políticos e religiosos tão frios e perversos quanto ele mesmo. Grande aristocracia de gênios implacáveis aqui se alinha, senhoreando milhares de mentes preguiçosas, delinqüentes e enfermiças.

E porque permite Deus semelhante absurdo? Dessa vez, era o meu colega que perguntava, de novo, semi apavorado, agora, ante os compromissos que assumíramos. Longe de perturbar-se, Gúbio replicou: Pelas mesmas razões educativas através das quais não aniquila uma nação humana quando, desvairada pela sede de dominação, desencadeia guerras cruentas e destruidoras, mas a entrega à expiação dos próprios crimes e ao infortúnio de si mesma, para que aprenda a integrar-se na ordem eterna que preside à vida universal.

De período a período, contado cada um por vários séculos, a matéria utilizada por semelhantes inteligências é revolvida e reestruturada, qual acontece nos círculos terrenos; mas se o Senhor visita os homens pelos homens que se santificam, corrige igualmente as criaturas por intermédio das criaturas que se endurecem ou bestializam.

Significa então que os gênios malditos, os demônios de todos os tempos — exclamei, reticencioso — Somos nós mesmos — completou o Instrutor, paciente, quando nos desviamos, impenitentes, da Lei. Já perambulamos por estes sítios sombrios e inquietantes, mas os choques biológicos do renascimento e da desencarnação, mais ou menos recentes, não te permitem, nem a Elói, o desabrocho de reminiscências completas do passado.

Comigo, porém, a situação é diversa. A extensão de meu tempo, na vida livre, já me confere recordações mais dilatadas e, de antemão, conheço as lições que constituam novidade. Muitos de nossos companheiros, guindados à altura, não mais identificam nestas paragens senão motivos de cansaço, repugnância e pavor; todavia, é forçoso observar que o pântano, invariavelmente, é uma zona da natureza pedindo o socorro dos servos mais fortes e generosos.

Música exótica fazia-se ouvir não distante e Gúbio rogou-nos prudência e humildade em favor do êxito no trabalho a desdobrar-se. Reerguemo-nos e avançamos. Fizera-se nos tardio o passo e nossa movimentação difícil.  Em voz baixa, o orientador reiterou a recomendação: Em qualquer constrangimento íntimo, não nos esqueçamos da prece. É, de ora em diante, o único recurso de que dispomos a fim de mobilizar nossas reservas mentais superiores, em nossas necessidades de reabastecimento psíquico.

Qualquer precipitação pode arrojar-nos a estados primitivistas, lançando-nos em nível inferior, análogo ao dos espíritos infelizes que desejamos auxiliar. Tenhamos calma e energia, doçura e resistência, de ânimo voltado para o Cristo. Lembremo-nos de que aceitamos o encargo desta hora, não para justiçar e sim para educar e servir.

Adiantamo-nos, caminho a fora, como se fazia possível. Em minutos breves, penetramos vastíssima aglomeração de vielas, reunindo casario decadente e sórdido. Rostos horrendos contemplavam-nos furtivamente, a princípio, mas, à medida que varávamos o terreno, éramos observados, com atitude agressiva, por transeuntes de miserável aspecto.

Alguns quilômetros de via pública, repletos de quadros deploráveis, desfilaram a nossos olhos. Mutilados às centenas, aleijados de todos os matizes, entidades visceralmente desequilibradas, ofereciam-nos paisagens de arrepiar. Impressionado com a multidão de criaturas deformadas que se enfileiravam sob nosso raio visual, perfeitamente arrebanhadas ali em experiência coletiva, enderecei algumas interrogações ao Instrutor, em tom discreto.

Porque tão extensa comunidade de sofredores? Que causas impunham tão flagrante decadência da forma? Paciente, o orientador não se fez demorado na resposta. Milhões de pessoas — informou, calmo —, depois da morte, encontram perigosos inimigos no medo e na vergonha de si mesmas. Nada se perde, André, no círculo de nossas ações, palavras e pensamentos.

O registro de nossa vida opera-se em duas fases distintas, perseverando no exterior, através dos efeitos de nossa atuação em criaturas, situações e coisas, e persistindo em nós mesmos, nos arquivos da própria consciência, que recolhe matematicamente todos os resultados de nosso esforço, no bem ou no mal, ao interior dela própria.

O espírito, em qualquer parte, move-se no centro das criações que desenvolveu. Defeitos escuros e qualidades louváveis envolvem-no, onde se encontre. A criatura na Terra, por onde peregrinamos, ouve argumentos alusivos ao Céu e ao Inferno e acredita vagamente na vida espiritual que a espera, além-túmulo.

Mais cedo que possa imaginar, perde o veículo de carne e compreende que não se pode ocultar por mais tempo, desfeita a máscara do corpo sob a qual se escondia à maneira da tartaruga dentro da carapaça. Sente-se tal qual é e receia a presença dos filhos da luz, cujos dons de penetração lhe identificariam, de pronto, as mazelas indesejáveis.

O perispírito, para a mente, é uma cápsula mais delicada, mais suscetível de refletir-lhe a glória ou a viciação, em virtude dos tecidos rarefeitos de que se constitui. Em razão disso, as almas decaídas, num impulso de revolta contra os deveres que nos competem a cada um, nos serviços de sublimação, aliam-se umas às outras através de organizações em que exteriorizam, tanto quanto possível, os lamentáveis pendores que lhes são peculiares, não obstante ferretoadas pelo aguilhão das inteligências vigorosas e cruéis.

Não há recursos de soerguer semelhantes comunidades? A mesma lei de esforço próprio funciona igualmente aqui. Não faltam apelos santificantes de Cima; contudo, com a ausência da íntima adesão dos interessados ao ideal da melhoria própria, é impraticável qualquer iniciativa legítima, em matéria de reajustamento geral.

Sem que o espírito, senhor da razão e dos valores eternos que lhe são consequentes, delibere mobilizar o patrimônio que lhe é próprio, no sentido de elevar o seu campo vibratório, não é justo seja arrebatado, por imposição, a regiões superiores que ele mesmo, por enquanto, não sabe desejar.

E até que resolva atirar-se ao empreendimento da própria ascensão, vai sendo aproveitado pelas leis universais no que possa ser útil à Obra Divina. A minhoca, enquanto é minhoca, é compelida a trabalhar o solo; o peixe, enquanto é peixe, não viverá fora d’água. Sorrindo, ante a própria argumentação, concluiu bem-humorado: É natural, pois, que o homem, dono de vastas teorias de virtude salvadora, enquanto se demora no comboio da inferioridade seja empregado em atividades inferiores.

Quase todas as almas humanas, situadas nestas furnas, sugam as energias dos encarnados e lhes vampirizam a vida, qual se fossem lampreias insaciáveis no oceano do oxigênio terrestre. Suspiram pelo retorno ao corpo físico, de vez que não aperfeiçoaram a mente para a ascensão, e perseguem as emoções do campo carnal com o desvario dos sedentos no deserto.

Quais fetos adiantados absorvendo as energias do seio materno, consomem altas reservas de força dos seres encarnados que as acalentam, desprevenidos de conhecimento superior. Daí esse desespero com que defendem no mundo os poderes da inércia e essa aversão com que interpretam qualquer progresso espiritual ou qualquer avanço do homem na montanha de santificação.

No fundo, as bases econômicas de toda essa gente residem, ainda, na esfera dos homens comuns e, por isto, preservam, apaixonadamente, o sistema de furto psíquico, dentro do qual se sustentam, junto às comunidades da Terra.

Compilado do livro: Libertação
Autor: André Luiz (espírito) e Francisco Cândido Xavier

sábado, 8 de outubro de 2016

Respeitar sim, repetir não...


Sabemos que os textos evangélicos sofreram muitas alterações ao longo dos séculos, para atender a interesses do mundo, ditados pelo culto do poder e da ambição, ou até pela fé ingênua e cega que pretendia converter, fazendo concessões. Nesse processo, incorporaram-se rituais e crenças mágicas, muito anteriores a Jesus, dando-se-lhes estatuto cristão.

A fé raciocinada encara sem medo esses fatos, já constatados pela História, e busca a essência dos ensinamentos do Mestre. Aliás, já nos advertia Kardec, no primeiro parágrafo da introdução a “O Evangelho segundo o Espiritismo”: “Podem dividir-se em cinco partes as matérias contidas nos Evangelhos: os atos comuns da vida do Cristo; os milagres; as predições; as palavras que foram tomadas pela Igreja para fundamento de seus dogmas; e o ensino moral. As quatro primeiras têm sido objeto de controvérsias; a última, porém, conservou-se constantemente inatacável”.

O ensino moral do Evangelho é inatacável, sem dúvida. É o evangelho propriamente dito. O mais pode até ser lenda, ou é, pelo menos, questionável, passível de investigação histórica e científica. Portanto, não há por que se repetirem, em nosso meio, velhas abordagens fantasiosas que vestem Jesus de magia e ilusão. O Mestre se basta, dispensa enfeites que não concorrem para amadurecer o Espírito, como é o caso das festas marcadas no calendário oficial.

Tais festas representam uma tradição dos católicos e, embora merecendo nosso respeito, não fazem o menor sentido para a Doutrina Espírita. Portanto, não se justifica nas escolinhas de evangelização a comemoração de datas como a Páscoa, nos moldes do convencionalismo cristão.

É certo, porém, que as crianças trazem informações veiculadas pelos meios de comunicação, pela família, pela escola e que não devemos agredi-las com doutrinações radicais, negando tudo o que conhecem e vivenciam no mundo. Mas podemos aproveitar esses saberes, para construir o novo ou resgatar, adequadamente, o ponto de vista histórico e cultural.

No caso da Páscoa, é preciso situá-la entre as  festas ligadas a rituais de fertilidade e seus símbolos, dissociando-a da figura de Jesus, com o cuidado de não repetir a crença de que Ele a instituiu ou de que lhe deu outro sentido, assumindo a posição do cordeiro sacrificado nessa época pelos judeus, para justificar a ressurreição e dar ao corpo do Deus a função de alimento.

O mito do deus morto e do deus ressurrecto é comum a muitas culturas da antiguidade. Quando Jesus encarnou entre nós, essa crença já era conhecida e os judeus, de sua parte, haviam conferido a ela características próprias, associando-a a episódio que remonta ao tempo de  sua submissão ao Egito. 

Jesus insere-se naquele contexto, é verdade, e participa dos eventos da época, mas frisa: “Meu reino não é deste mundo”. E mais: “Não quero sacrifício, mas misericórdia.”

Recuperemos a formação da palavra sacrifício: sacro + ofício. Na realidade, o Mestre da Galileia rompe o ciclo de repetição dos velhos rituais e propõe o mandamento do amor. Misericórdia é expressão do amor. Não cobrava Jesus oferendas nos templos, nem rituais mágicos, como aquele que se realizava na Páscoa. Não pretendia que se lhe oferecessem ofícios sagrados, mas sim que praticássemos a caridade.

A Terceira Revelação nos convida, através do Espírito de Verdade: “Amai-vos e instruí-vos”. Portanto, o conhecimento que nos traz a própria Doutrina assinala um compromisso com o estudo, ensejando a oportunidade de superar uma mentalidade mágica para alcançar o direcionamento da fé, pela razão. Assim, a evangelização espírita não precisa comemorar as festas da tradição cristã, mas deve constituir a festa de todo dia, porque oferece roteiro seguro para a vida e suas surpresas.

Este terceiro milênio do calendário ocidental está marcado, ao que parece, por descobertas científicas arrojadas e por inquietantes constatações da História, provocando a derrubada de velhas crenças. Se, inadvertidamente, repetimos tais crenças na Casa Espírita, estaremos entravando o progresso e perdendo a chance de esclarecimento que o próprio Espiritismo nos oferece.

A criança e o jovem precisam desenvolver uma fé robusta e vigorosa que resista não só aos ventos das novidades – com as quais são alvejados pela escola, pela mídia, pela comunicação virtual – mas também aos embates da vida. Educar-se pelo Evangelho à luz do Espiritismo é abrir uma janela para o futuro, é atravessar a linha do horizonte da acomodação, é libertar-se do velho círculo das ilusões.

       Respeitar sim, repetir não. Essa deveria ser a postura dos evangelizadores na casa espírita, diante dos atavismos da tradição cristã. 


Extraído de O Consolador, Crônicas e Artigos, por Rita Côre