Eternidade
segunda-feira, 31 de outubro de 2016
domingo, 30 de outubro de 2016
IMORTALIDADE
A morte não é o fim.
Criado para a vida, o Espírito transfere-se constantemente
de um estado vibratório para outro, sem perder a imortalidade.
Repara nos exemplos da natureza.
A destruição da semente em contato com o solo
não passa de transformação da vida gerando mais vida.
O sol, que se oculta com a chegada da noite,
ressurge a cada amanhecer, sem jamais deixar de brilhar.
Se te ressentes da ausência do afeto que a desencarnação
transferiu para a vida no Além,
não te revoltes nem te desesperes.
Corações amoráveis o acompanham, tanto quanto a ti,
a fim de que a vida de cada um siga em paz
na direção do progresso.
Confia no Pai e prossegue vivendo, fazendo o melhor
ao teu alcance.
A felicidade de quem segue no Além muitas vezes
depende do equilíbrio de quem permanece na Terra.
Entrega-te ao trabalho construtivo,
orando e servindo, e contarás com os eflúvios
de luz e paz que vertem do Alto,
favorecendo-te na jornada redentora, até que te
reencontres com os corações queridos,
em comunhão de amor nos domínios da eternidade.
Clayton Levy / Scheilla (espírito)
A morte não existe - somos espíritos imortais em aprendizado,
ora vestindo um corpo de carne, ora estagiando na Pátria Espiritual.
Encarnamos, sempre que necessário ao nosso aprendizado.
E passamos aqui na Terra um breve tempo, muito breve mesmo,
se comparado à nossa existência imortal.
Temos parentes e amigos a quem muito amamos - aqui e lá.
Porque nossa parentela não se limita a que ora conhecemos
no mundo carnal.
Nossa parentela espiritual é imensa - fruto
das várias encarnações que tivemos.
E, de lá, também eles torcem, vibram por nós.
Quando encarnamos, continuamos ligados a eles, pelos fios do amor.
E estes mesmos fios nos mantêm ligados aos que aqui permanecem,
quando desencarnamos.
Ou seja, o amor permanece nos unindo.
Sempre.
Lá ou cá, continuamos juntos, em processo de crescimento.
Então, sabendo disso, que possamos enviar
para os nossos amores que nos antecederam
muita energia de amor, paz, alegria e certeza de que
um dia estaremos todos juntos, sem mais adeus.
Que sua semana seja de introspecção.
E, em agindo assim, você sinta expandir-se em amor,
amor este capaz de envolver com suavidade todos
os que lhe são caros,
deste e do Plano Maior.
Fonte: Casa Espírita Eurípedes Barsanulfo
Núcleo Chico Xavier
quarta-feira, 26 de outubro de 2016
A disciplina do pensamento
Vivemos numa época de anemia intelectual, que
é causada pela raridade dos estudos sérios, pela procura abusiva da palavra
pela palavra, da forma enfeitada e oca, e, principalmente, pela insuficiência
dos educadores da mocidade. Apliquemo-nos a obras mais substanciais, a tudo o
que pode esclarecer-nos a respeito das leis profundas da vida e facilitar nossa
evolução.
Pouco a pouco, edificar-se-ão em nós uma
inteligência e uma consciência mais fortes e nosso corpo fluídico iluminar-se-á
com os reflexos de um pensamento elevado e puro. Dissemos que a alma oculta
profundezas onde o pensamento raras vezes desce, porque mil objetos externos
ocupam-no incessantemente.
Sua superfície, como a do mar, é muitas vezes
agitada; mas por baixo se estendem regiões inacessíveis às tempestades. Aí
dormem as potências ocultas, que esperam nosso chamamento para emergirem e
aparecerem. O chamamento raras vezes se faz ouvir e o homem agita-se em sua
indigência, ignorante dos tesouros inapreciáveis que nele repousam.
É necessário o choque das provações, as horas
tristes e desoladas para fazer-lhe compreender a fragilidade das coisas
externas e encaminhá-lo para o estudo de si mesmo, para a descoberta de suas
verdadeiras riquezas espirituais.
É por isso que as grandes almas se tornam
tanto mais nobres e belas quanto mais vivas são suas dores. A cada nova
desgraça que as fere têm a sensação de se haverem aproximado um pouco mais da
verdade e da perfeição, e com esse pensamento experimentam uma espécie de volúpia
amarga.
Levantou-se no céu de seu destino uma nova
estrela, cujos raios trêmulos penetram no santuário de sua consciência e lhe
iluminam os recônditos. Nas inteligências de cultura elevada faz sementeira a
desgraça: cada dor é um sulco onde se levanta uma seara de virtude e beleza.
Em certas horas de nossa vida, quando morre
nossa mãe, quando se desmorona uma esperança ardentemente acariciada, quando se
perde a mulher, o filho amado, cada vez que se despedaça um dos laços que nos
ligavam a este mundo, uma voz misteriosa eleva-se nas profundezas de nossa
alma, voz solene que nos fala de mil leis augustas, mais veneráveis que as da
Terra, e entreabre-se todo um mundo ideal.
Mas os ruídos do exterior abafam-na bem
depressa e o ser humano recai quase sempre em suas dúvidas, em suas hesitações,
na vulgaridade de sua existência. Não há progresso possível sem observação
atenta de nós mesmos. É necessário vigiar todos os nossos atos impulsivos para
chegarmos a saber em que sentido devemos dirigir nossos esforços para nos
aperfeiçoarmos.
Primeiramente, regular a vida física, reduzir
as exigências materiais ao necessário, a fim de garantir a saúde do corpo,
instrumento indispensável para o desempenho de nosso papel terrestre; em
seguida, disciplinar as impressões, as emoções, exercitando-nos em dominá-las,
em utilizá-las como agentes de nosso aperfeiçoamento moral; aprender
principalmente a esquecer, a fazer o sacrifício do “eu”, a desprender-nos de
todo o sentimento de egoísmo.
A verdadeira felicidade neste mundo está na
proporção do esquecimento próprio. Não basta crer e saber, é necessário viver
nossa crença, isto é, fazer penetrar na prática diária da vida os princípios
superiores que adotamos; é necessário habituarmo-nos a comungar pelo pensamento
e pelo coração com os Espíritos eminentes que foram os reveladores, com todas
as almas de escol que serviram de guias à humanidade, viver com eles numa
intimidade cotidiana, inspirarmo-nos em suas vistas e sentir sua influência
pela percepção íntima que nossas relações com o mundo invisível desenvolvem.
Entre essas grandes almas é bom escolher uma
como exemplo, a mais digna de nossa admiração e, em todas as circunstâncias
difíceis, em todos os casos em que nossa consciência oscila entre dois partidos
a tomar, inquirirmos o que ela teria resolvido e procedermos no mesmo sentido.
Assim, pouco a pouco iremos construindo, de
acordo com esse modelo, um ideal moral que se refletirá em todos os nossos
atos. Todo homem, na humilde realidade de cada dia, pode ir modelando uma
consciência sublime. A obra é vagarosa e difícil, mas para isso são-nos dados
os séculos.
Concentremos, pois, muitas vezes nossos
pensamentos, para dirigi-los, pela vontade, em direção ao ideal sonhado.
Meditemos nele todos os dias, à hora certa, de preferência pela manhã, quando
tudo está sossegado e repousa ainda à nossa volta, nesse momento a que o poeta
chama “a hora divina”, quando a Natureza, fresca e descansada, acorda para as
claridades do dia.
Nas horas matinais, a alma, pela oração e pela
meditação, eleva-se com mais fácil impulso até às alturas donde se vê e
compreende que tudo – a vida, os atos, os pensamentos – está ligado a alguma
coisa grande e eterna e que habitamos um mundo em que potências invisíveis
vivem e trabalham conosco.
Na vida mais simples, na tarefa mais modesta,
na existência mais apagada, mostram-se, então, faces profundas, uma reserva de
ideal, fontes possíveis de beleza. Cada alma pode criar com seus pensamentos
uma atmosfera espiritual tão bela, tão resplandecente, como nas paisagens mais
encantadoras; e na morada mais mesquinha, no mais miserável tugúrio, há frestas
para Deus e para o infinito!
Em todas as nossas relações sociais, em
nossas relações com os nossos semelhantes, é preciso lembrarmo-nos
constantemente de que os homens são viajantes em marcha, ocupando pontos
diversos na escala da evolução pela qual todos subimos. Por conseguinte, nada
devemos exigir, nada devemos esperar deles que não esteja em relação com seu
grau de adiantamento.
A todos devemos tolerância, benevolência e
até perdão; porque se nos causam prejuízo, se escarnecem de nós e nos ofendem,
é quase sempre pela falta de compreensão e de saber, resultantes de
desenvolvimento insuficiente. Deus não pede aos homens senão o que eles têm
podido adquirir à custa de lentos e penosos trabalhos.
Não temos o direito de exigir mais. Não fomos
semelhantes aos mais atrasados deles? Se cada um de nós pudesse ler em seu
passado o que foi, o que fez, quanto não seria maior nossa indulgência para com
as faltas alheias! Às vezes, também nós carecemos da mesma indulgência que lhes
devemos. Sejamos severos conosco e tolerantes com os outros. Instruamo-los,
esclareçamo-los, guiemo-los com doçura, é o que a lei de solidariedade nos
preceitua.
Enfim, é preciso saber suportar todas as
coisas com paciência e serenidade. Seja qual for o procedimento de nossos
semelhantes para conosco, não devemos conceber nenhuma animosidade ou
ressentimento; mas, ao contrário, saibamos fazer reverter em benefício de nossa
própria educação moral todas as causas de aborrecimento e aflição.
Nenhum revés poderia atingir-nos, se, por
nossas vidas anteriores e culpadas, não tivéssemos dado margem à adversidade. É
isso o que muitas vezes se deve repetir. Chegaremos, assim, a aceitar todas as provações
sem amargura, considerando-as como reparação do passado ou como meio de
aperfeiçoamento.
De grau em grau chegaremos, assim, ao sossego
de espírito, à posse de nós mesmos, à confiança absoluta no futuro, que dão a
força, a quietação, a satisfação íntima, permitindo-nos permanecer firmes no
meio das mais duras vicissitudes.
Quando chega a idade, as ilusões e as
esperanças vãs caem como folhas mortas; mas as altas verdades aparecem com mais
brilho, como as estrelas no céu de inverno através dos ramos nus de nossos
jardins. Pouco importa, então, que o destino não nos tenha oferecido nenhuma
glória, nenhum raio de alegria, se tiver enriquecido nossa alma com mais uma
virtude, com alguma beleza moral.
As vidas obscuras e atormentadas são, às
vezes, as mais fecundas, ao passo que as vidas suntuosas nos prendem, bastas
vezes e por muito tempo, na corrente formidável de nossas responsabilidades. A
felicidade não está nas coisas externas nem nos acasos do exterior, mas somente
em nós mesmos, na vida interna que soubermos criar.
Que importa que o céu esteja escuro por cima
de nossas cabeças e os homens sejam ruins em volta de nós, se tivermos a luz na
fronte, alegria do bem e a liberdade moral no coração? Se, porém, eu tiver
vergonha de mim mesmo, se o mal tiver invadido meu pensamento, se o crime e a
traição habitarem em mim, todos os favores e todas as felicidades da Terra não
me restituirão a paz silenciosa e a alegria da consciência.
O sábio cria, desde este mundo, para si
mesmo, um refúgio seguro, um lugar sagrado, um retiro profundo, aonde não
chegam as discórdias e as contrariedades do exterior. Do mesmo modo, na vida do
espaço a sanção do dever e a realização da justiça são de ordem inteiramente
íntima; cada alma traz em si sua claridade ou sua sombra, seu paraíso ou seu
inferno.
Mas, lembremo-nos de que nada há irreparável;
a situação atual do Espírito inferior não é mais que um ponto quase
imperceptível na imensidade de seus destinos.
Texto do Livro: O Problema do Ser, do Destino
e da Dor
Autor: Leon Denis
domingo, 16 de outubro de 2016
sexta-feira, 14 de outubro de 2016
Numa cidade estranha...
Após
a travessia de várias regiões, “em descida”, com escalas por diversos postos e
instituições socorristas, penetramos vasto domínio de sombras. A claridade
solar jazia diferençada. Fumo cinzento cobria o céu em toda a sua extensão. A
volitação fácil se fizera impossível.
A
vegetação exibia aspecto sinistro e angustiado. As árvores não se vestiam de
folhagem farta e os galhos, quase secos, davam a ideia de braços erguidos em
súplicas dolorosas. Aves agoureiras, de grande tamanho, de uma espécie que
poderá ser situada entre os corvídeos crocitavam em surdina, semelhando-se a
pequenos monstros alados espiando presas ocultas.
O
que mais contristava, porém, não era o quadro desolador, mais ou menos
semelhante a outros de meu conhecimento, e, sim, os apelos cortantes que
provinham dos charcos. Gemidos tipicamente humanos eram pronunciados em todos
os tons.
Acredito,
teríamos examinado individualmente os sofredores que aí se localizavam, se nos
entregássemos a detida apreciação; todavia, Gúbio, à maneira de outros
instrutores, não se detinha para atender a curiosidade improfícua. Lembrando a
“selva escura” a que Alighieri se reporta no imortal poema, eu trazia o coração
premido de interrogativas inquietantes.
Aquelas
árvores estranhas, de frondes ressecadas, mas vivas, seriam almas convertidas
em silenciosas sentinelas de dor, qual a mulher de Lot, transformada simbolicamente
em estátua de sal? E aquelas grandes corujas diferentes, cujos olhos brilhavam
desagradavelmente nas sombras, seriam homens desencarnados sob tremendo castigo
da forma? Quem chorava nos vales extensos de lama? Criaturas que houvessem
vivido na Terra que recordávamos, ou duendes desconhecidos para nós?
De
quando em quando, grupos hostis de entidades espirituais em desequilíbrio nos
defrontavam, seguindo adiante, indiferentes, incapazes de registrar-nos a
presença. Falavam em alta voz, em português degradado, mas inteligível,
evidenciando, pelas gargalhadas, deploráveis condições de ignorância.
Apresentavam-se em trajes bisonhos e conduziam apetrechos de lutar e ferir.
Avançamos
mais profundamente, mas o ambiente passou a sufocar-nos. Repousamos, de algum
modo, vencidos de fadiga singular, e Gúbio, depois de alguns momentos, nos
esclareceu: Nossas organizações perispiríticas, à maneira de escafandro
estruturado em material absorvente, por ato deliberado de nossa vontade, não
devem reagir contra as baixas vibrações deste plano.
Estamos
na posição de homens que, por amor, descessem a operar num imenso lago de lodo;
para socorrer eficientemente os que se adaptaram a ele, são compelidos a
cobrir-se com as substâncias do charco, sofrendo-lhes, com paciência e coragem,
a influenciação deprimente.
Atravessamos
importantes limites vibratórios e cabe-nos entregar a forma exterior ao meio
que nos recebe, a fim de sermos realmente úteis aos que nos propomos auxiliar.
Finda a nossa transformação transitória, seremos vistos por qualquer dos
habitantes desta região menos feliz.
A
oração, de agora em diante, deve ser nosso único fio de comunicação com o Alto,
até que eu possa verificar, quando na Crosta, qual o minuto mais adequado de
nosso retorno aos dons luminescentes. Não estamos em cavernas infernais, mas
atingimos grande império de inteligências perversas e atrasadas, anexo aos
círculos da Crosta, onde os homens terrestres lhes sofrem permanente
influenciação. Chegou para nós o momento de pequeno testemunho.
Muita
capacidade de renúncia é indispensável, a fim de alcançarmos nossos fins.
Podemos perder por falta de paciência ou por escassez de vocação para o
sacrifício. Para a malta de irmãos retardados que nos envolverá, seremos
simples desencarnados, ignorantes do próprio destino. Passamos a inalar as
substâncias espessas que pairavam em derredor, como se o ar fosse constituído
de fluidos viscosos.
Elói
estirou-se, ofegante, não obstante experimentar, por minha vez, asfixiante
opressão, busquei padronizar atitudes pela conduta do Instrutor, que tolerava a
metamorfose, silencioso e palidíssimo. Reparei, confundido, que a voluntária
integração com os elementos inferiores do plano nos desfigurava enormemente.
Pouco
a pouco, sentimo-nos pesados e tive a ideia de que fora, de improviso,
religado, de novo, ao corpo de carne, porque, embora me sentisse dono da
própria individualidade, me via revestido de matéria densa, como se fosse
obrigado a envergar inesperada armadura.
Decorridos
longos minutos, o orientador apelou, diligente: Prossigamos! Doravante, seremos
auxiliares anônimos. Não nos convém, por enquanto, a identificação pessoal. Mas,
não será isto mentir? Clamou Elói, quase refeito. Gúbio dividiu conosco um
olhar de benevolência e explicou, bondoso:
—
Não te recordas do texto evangélico que recomenda não saiba a mão esquerda o
que dá a direita? Este é o momento de ajudarmos sem alarde. O Senhor não é
mentiroso quando nos estende invisíveis recursos de salvação, sem que lhe
vejamos a presença. Nesta cidade sombria, trabalham inúmeros companheiros do
bem nas condições em que nós achamos.
Se
erguermos bandeira provocante, nestes campos, nos quais noventa e cinco por
cento das inteligências se encontram devotadas ao mal e à desarmonia, nosso
programa será estraçalhado em alguns instantes. Centenas de milhares de
criaturas aqui padecem amargos choques de retorno à realidade, sob a vigilância
de tribos cruéis, formadas de espíritos egoístas, invejosos e brutalizados.
Para
a sensibilidade medianamente desenvolvida, o sofrimento aqui é inapreciável. E
há governo estabelecido num reino estranho e sinistro quanto este? — Indaguei.
Como não? — Respondeu Gúbio, atenciosamente. Qual ocorre na esfera carnal, a
direção, neste domínio, é concedida pelos Poderes Superiores, a título
precário.
Na
atualidade, este grande empório de padecimentos regenerativos permanece dirigido
por um sátrapa de inqualificável impiedade, que aliciou para si próprio o
pomposo título de Grande Juiz, assistido por assessores políticos e religiosos
tão frios e perversos quanto ele mesmo. Grande aristocracia de gênios
implacáveis aqui se alinha, senhoreando milhares de mentes preguiçosas,
delinqüentes e enfermiças.
E
porque permite Deus semelhante absurdo? Dessa vez, era o meu colega que
perguntava, de novo, semi apavorado, agora, ante os compromissos que
assumíramos. Longe de perturbar-se, Gúbio replicou: Pelas mesmas razões
educativas através das quais não aniquila uma nação humana quando, desvairada
pela sede de dominação, desencadeia guerras cruentas e destruidoras, mas a
entrega à expiação dos próprios crimes e ao infortúnio de si mesma, para que
aprenda a integrar-se na ordem eterna que preside à vida universal.
De
período a período, contado cada um por vários séculos, a matéria utilizada por
semelhantes inteligências é revolvida e reestruturada, qual acontece nos
círculos terrenos; mas se o Senhor visita os homens pelos homens que se
santificam, corrige igualmente as criaturas por intermédio das criaturas que se
endurecem ou bestializam.
Significa
então que os gênios malditos, os demônios de todos os tempos — exclamei,
reticencioso — Somos nós mesmos — completou o Instrutor, paciente, quando nos
desviamos, impenitentes, da Lei. Já perambulamos por estes sítios sombrios e
inquietantes, mas os choques biológicos do renascimento e da desencarnação,
mais ou menos recentes, não te permitem, nem a Elói, o desabrocho de
reminiscências completas do passado.
Comigo,
porém, a situação é diversa. A extensão de meu tempo, na vida livre, já me
confere recordações mais dilatadas e, de antemão, conheço as lições que
constituam novidade. Muitos de nossos companheiros, guindados à altura, não
mais identificam nestas paragens senão motivos de cansaço, repugnância e pavor;
todavia, é forçoso observar que o pântano, invariavelmente, é uma zona da
natureza pedindo o socorro dos servos mais fortes e generosos.
Música
exótica fazia-se ouvir não distante e Gúbio rogou-nos prudência e humildade em
favor do êxito no trabalho a desdobrar-se. Reerguemo-nos e avançamos. Fizera-se
nos tardio o passo e nossa movimentação difícil. Em voz baixa, o orientador reiterou a
recomendação: Em qualquer constrangimento íntimo, não nos esqueçamos da prece.
É, de ora em diante, o único recurso de que dispomos a fim de mobilizar nossas
reservas mentais superiores, em nossas necessidades de reabastecimento
psíquico.
Qualquer
precipitação pode arrojar-nos a estados primitivistas, lançando-nos em nível
inferior, análogo ao dos espíritos infelizes que desejamos auxiliar. Tenhamos
calma e energia, doçura e resistência, de ânimo voltado para o Cristo. Lembremo-nos
de que aceitamos o encargo desta hora, não para justiçar e sim para educar e
servir.
Adiantamo-nos,
caminho a fora, como se fazia possível. Em minutos breves, penetramos vastíssima
aglomeração de vielas, reunindo casario decadente e sórdido. Rostos horrendos
contemplavam-nos furtivamente, a princípio, mas, à medida que varávamos o
terreno, éramos observados, com atitude agressiva, por transeuntes de miserável
aspecto.
Alguns
quilômetros de via pública, repletos de quadros deploráveis, desfilaram a
nossos olhos. Mutilados às centenas, aleijados de todos os matizes, entidades
visceralmente desequilibradas, ofereciam-nos paisagens de arrepiar. Impressionado
com a multidão de criaturas deformadas que se enfileiravam sob nosso raio
visual, perfeitamente arrebanhadas ali em experiência coletiva, enderecei
algumas interrogações ao Instrutor, em tom discreto.
Porque
tão extensa comunidade de sofredores? Que causas impunham tão flagrante
decadência da forma? Paciente, o orientador não se fez demorado na resposta. Milhões
de pessoas — informou, calmo —, depois da morte, encontram perigosos inimigos
no medo e na vergonha de si mesmas. Nada se perde, André, no círculo de nossas
ações, palavras e pensamentos.
O
registro de nossa vida opera-se em duas fases distintas, perseverando no exterior,
através dos efeitos de nossa atuação em criaturas, situações e coisas, e
persistindo em nós mesmos, nos arquivos da própria consciência, que recolhe
matematicamente todos os resultados de nosso esforço, no bem ou no mal, ao
interior dela própria.
O
espírito, em qualquer parte, move-se no centro das criações que desenvolveu.
Defeitos escuros e qualidades louváveis envolvem-no, onde se encontre. A
criatura na Terra, por onde peregrinamos, ouve argumentos alusivos ao Céu e ao
Inferno e acredita vagamente na vida espiritual que a espera, além-túmulo.
Mais
cedo que possa imaginar, perde o veículo de carne e compreende que não se pode
ocultar por mais tempo, desfeita a máscara do corpo sob a qual se escondia à
maneira da tartaruga dentro da carapaça. Sente-se tal qual é e receia a
presença dos filhos da luz, cujos dons de penetração lhe identificariam, de
pronto, as mazelas indesejáveis.
O
perispírito, para a mente, é uma cápsula mais delicada, mais suscetível de
refletir-lhe a glória ou a viciação, em virtude dos tecidos rarefeitos de que
se constitui. Em razão disso, as almas decaídas, num impulso de revolta contra
os deveres que nos competem a cada um, nos serviços de sublimação, aliam-se
umas às outras através de organizações em que exteriorizam, tanto quanto
possível, os lamentáveis pendores que lhes são peculiares, não obstante
ferretoadas pelo aguilhão das inteligências vigorosas e cruéis.
Não
há recursos de soerguer semelhantes comunidades? A mesma lei de esforço próprio
funciona igualmente aqui. Não faltam apelos santificantes de Cima; contudo, com
a ausência da íntima adesão dos interessados ao ideal da melhoria própria, é
impraticável qualquer iniciativa legítima, em matéria de reajustamento geral.
Sem
que o espírito, senhor da razão e dos valores eternos que lhe são consequentes,
delibere mobilizar o patrimônio que lhe é próprio, no sentido de elevar o seu
campo vibratório, não é justo seja arrebatado, por imposição, a regiões
superiores que ele mesmo, por enquanto, não sabe desejar.
E
até que resolva atirar-se ao empreendimento da própria ascensão, vai sendo
aproveitado pelas leis universais no que possa ser útil à Obra Divina. A
minhoca, enquanto é minhoca, é compelida a trabalhar o solo; o peixe, enquanto
é peixe, não viverá fora d’água. Sorrindo, ante a própria argumentação,
concluiu bem-humorado: É natural, pois, que o homem, dono de vastas teorias de
virtude salvadora, enquanto se demora no comboio da inferioridade seja
empregado em atividades inferiores.
Quase
todas as almas humanas, situadas nestas furnas, sugam as energias dos
encarnados e lhes vampirizam a vida, qual se fossem lampreias insaciáveis no
oceano do oxigênio terrestre. Suspiram pelo retorno ao corpo físico, de vez que
não aperfeiçoaram a mente para a ascensão, e perseguem as emoções do campo
carnal com o desvario dos sedentos no deserto.
Quais
fetos adiantados absorvendo as energias do seio materno, consomem altas
reservas de força dos seres encarnados que as acalentam, desprevenidos de
conhecimento superior. Daí esse desespero com que defendem no mundo os poderes
da inércia e essa aversão com que interpretam qualquer progresso espiritual ou
qualquer avanço do homem na montanha de santificação.
No
fundo, as bases econômicas de toda essa gente residem, ainda, na esfera dos homens
comuns e, por isto, preservam, apaixonadamente, o sistema de furto psíquico,
dentro do qual se sustentam, junto às comunidades da Terra.
Compilado
do livro: Libertação
quarta-feira, 12 de outubro de 2016
sábado, 8 de outubro de 2016
Respeitar sim, repetir não...
Sabemos
que os textos evangélicos sofreram muitas
alterações ao longo dos séculos, para
atender a interesses do mundo, ditados pelo
culto do poder e da ambição, ou até pela
fé ingênua e cega que pretendia converter,
fazendo concessões. Nesse processo,
incorporaram-se rituais e crenças mágicas,
muito anteriores a Jesus, dando-se-lhes
estatuto cristão.
A
fé raciocinada encara sem medo esses fatos,
já constatados pela História, e busca a
essência dos ensinamentos do Mestre. Aliás,
já nos advertia Kardec, no primeiro parágrafo
da introdução a “O Evangelho segundo o
Espiritismo”: “Podem dividir-se em cinco
partes as matérias contidas nos Evangelhos:
os atos comuns da vida do Cristo; os
milagres; as predições; as palavras que
foram tomadas pela Igreja para fundamento de
seus dogmas; e o ensino moral. As quatro
primeiras têm sido objeto de controvérsias;
a última, porém, conservou-se
constantemente inatacável”.
O
ensino moral do Evangelho é inatacável,
sem dúvida. É o evangelho propriamente
dito. O mais pode até ser lenda, ou é,
pelo menos, questionável, passível de
investigação histórica e científica.
Portanto, não há por que se repetirem, em
nosso meio, velhas abordagens fantasiosas
que vestem Jesus de magia e ilusão. O
Mestre se basta, dispensa enfeites que não
concorrem para amadurecer o Espírito, como
é o caso das festas marcadas no calendário
oficial.
Tais
festas representam uma tradição dos católicos
e, embora merecendo nosso respeito, não
fazem o menor sentido para a Doutrina Espírita.
Portanto, não se justifica nas escolinhas
de evangelização a comemoração de datas
como a Páscoa, nos moldes do
convencionalismo cristão.
É
certo, porém, que as crianças trazem
informações veiculadas pelos meios de
comunicação, pela família, pela escola e
que não devemos agredi-las com doutrinações
radicais, negando tudo o que conhecem e
vivenciam no mundo. Mas podemos aproveitar
esses saberes, para construir o novo ou
resgatar, adequadamente, o ponto de vista
histórico e cultural.
No
caso da Páscoa, é preciso situá-la entre
as festas
ligadas a rituais de fertilidade e seus símbolos,
dissociando-a da figura de Jesus, com o
cuidado de não repetir a crença de que Ele
a instituiu ou de que lhe deu outro sentido,
assumindo a posição do cordeiro
sacrificado nessa época pelos judeus, para
justificar a ressurreição e dar ao corpo
do Deus a função de alimento.
O
mito do deus morto e do deus ressurrecto é
comum a muitas culturas da antiguidade.
Quando Jesus encarnou entre nós, essa crença
já era conhecida e os judeus, de sua parte,
haviam conferido a ela características próprias,
associando-a a episódio que remonta ao
tempo de
sua submissão ao Egito.
Jesus
insere-se naquele contexto, é verdade, e
participa dos eventos da época, mas frisa:
“Meu reino não é deste mundo”. E mais:
“Não quero sacrifício, mas misericórdia.”
Recuperemos
a formação da palavra sacrifício: sacro +
ofício. Na realidade, o Mestre da Galileia
rompe o ciclo de repetição dos velhos
rituais e propõe o mandamento do amor.
Misericórdia é expressão do amor. Não
cobrava Jesus oferendas nos templos, nem
rituais mágicos, como aquele que se
realizava na Páscoa. Não pretendia que se
lhe oferecessem ofícios
sagrados, mas sim que praticássemos a
caridade.
A
Terceira Revelação nos convida, através
do Espírito de Verdade: “Amai-vos e
instruí-vos”. Portanto, o conhecimento
que nos traz a própria Doutrina assinala um
compromisso com o estudo, ensejando a
oportunidade de superar uma mentalidade mágica
para alcançar o direcionamento da fé, pela
razão. Assim, a evangelização espírita não
precisa comemorar as festas da tradição
cristã, mas deve constituir a festa de todo
dia, porque oferece roteiro seguro para a
vida e suas surpresas.
Este
terceiro milênio do calendário ocidental
está marcado, ao que parece, por
descobertas científicas arrojadas e por
inquietantes constatações da História,
provocando a derrubada de velhas crenças.
Se, inadvertidamente, repetimos tais crenças
na Casa Espírita, estaremos entravando o
progresso e perdendo a chance de
esclarecimento que o próprio Espiritismo
nos oferece.
A
criança e o jovem precisam desenvolver uma
fé robusta e vigorosa que resista não só
aos ventos das novidades – com as quais são
alvejados pela escola, pela mídia, pela
comunicação virtual – mas também aos
embates da vida. Educar-se pelo Evangelho à
luz do Espiritismo é abrir uma janela para
o futuro, é atravessar a linha do horizonte
da acomodação, é libertar-se do velho círculo
das ilusões.
Extraído de O Consolador, Crônicas e Artigos, por Rita Côre
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