Retomando
o tema, observo que não é mesmo fácil a apreciação do egoísmo. Segundo
Kardec há uma explicação da origem do mesmo. Na minha interpretação,
quis dizer que, como fomos criados espíritos simples e ignorantes, e com
o instinto de conservação, é o abuso desse instinto que nos leva ao
egoísmo e orgulho (soberba). Mas Kardec não facilita muito as coisas
quando se refere ao sentimento: “Este sentimento contido em justos
limites é bom em si; a sua exageração é que o torna mau e pernicioso”.
O
instinto de conservação vem acompanhado do sentimento de
autopreservação. E aí vem a questão moral do meu interesse em detrimento
do interesse alheio, mas e se esse alheio for moralmente condenável?
Portanto não dá para ser simplista em relação ao tema.
Uma
autora e filósofa de origem judaico-russa, radicada nos Estados Unidos,
Ayn Rand, colocou “lenha na fogueira”, ao colocar o egoísmo como
praticamente uma virtude, que seria a de preocupar-se com os nossos
próprios interesses. Criou uma corrente filosófica, o Objetivismo, em
que a mente racional tem uma supremacia absoluta. Mas, apesar de todo
racionalismo, diz que o homem deve buscar a sua própria felicidade,
sendo ele mesmo o responsável por ela.
Ela via o altruísmo de outro modo, quase inexistente, ou apenas como uma escolha, um sacrifício em detrimento de outrem.
Polêmica
e por vezes paradoxal, sua teoria prega uma liberdade individual que
não deve invadir o limite do outro, o que concordo, além de esclarecer
que muitos tiranos utilizam-se de um pseudo-altruísmo para manobrar
pessoas. Essa tirania política ou religiosa, apregoa o sacrifício dos
comandados por um “bem maior”, sem, contudo, eles mesmos envolverem-se
em situações de risco maior, salvo poucas exceções.
Muitas
de suas teorias foram utilizadas pelo capitalismo, isto é, as partes
que agradavam aos objetivos deste sistema. Observo que isto é feito com
outros filósofos, a exemplo de Nietzsche, que teve parte de seus textos
usados pelo nazismo, muitos fora do contexto.
Mas
não é apenas a filosofia que sofre com isto, pois vemos que muitos
textos religiosos têm seus significados pervertidos, truncados por
dificuldades de tradução ou por simples desejo de manipulação. Encontrar
num livro religioso, uma frase, um trecho, que justifique os seus
objetivos, é um perigo quando estes objetivos são escusos e egoístas.
Como
o Espiritismo é baseado num tripé que inclui Religião, Filosofia e
Ciência, a questão Moral é relevante. E se não soubermos o que é o bem e
o mal, sem muitos relativismos, não teremos como construir uma base
moral sólida.
Quando
meu instinto de conservação não invadir, de modo ilegítimo, a
integridade de outro ser humano, em todos os seus níveis, estarei dentro
dos parâmetros cristãos. E a moralidade aí está, não faço porque não
posso e sim porque não devo. Lembro-me do Paulo de Tarso: “tudo me é
lícito, mas nem tudo me convém”.
E
o que é conveniente para mim, está na minha escala moral interna, que
deverá ir se aprimorando com a evolução. E, quanto melhor estiver
moralmente, mais a minha conveniência estará a convergir com o bem-estar
alheio, não apenas o dos mais próximos e sim da humanidade.
Contrariando
alguns, não evoluímos sozinhos, pois se este fosse o caso, cada
espírito moraria num pequeno asteroide. Muitos egocêntricos pensam serem
sóis centrais, e querem as pessoas gravitando em torno de seus
interesses. Manipuladores hábeis, distorcem as situações e são rápidos
em adjetivar de egoístas àqueles que contrariam aos seus interesses.
Levei
um tempo para aprender a lidar com pessoas assim e identificar os
dardos espelhados por elas lançados. Não fico mais com o orgulho ferido,
desejando disparar outro dardo de volta. Aprendi que o suposto dardo e
venenos lançados são proporcionais à importância que damos à eles.
Preservar-se
do mal é um processo, do mal alheio e do interior. Vencer o egoísmo é
uma luta incessante, pelo menos ainda para mim, pois seus disfarces são
múltiplos.
Lembrar de quem somos de verdade, filhos do Universo, governados por Jesus, nos apazigua e liberta.
Evoluir
é trazer a consciência de vigília as leis morais perenes insculpidas no
nossa psique (consciência-subconsciência-inconsciente) quando da
criação do espírito, e ainda que simples e ignorante, carrega o Espírito
Universal, a chama do Criador, da fonte do Amor e da Vida.
Mais
um trecho de Allan Kardek, para nossa reflexão: “ Egoísmo e Orgulho:
Causas, Efeitos e Meios de Destruí-los”, de Obras Póstumas, grifos
nossos.
“
Não há exemplos de uma pessoa dotada de natureza generosa, em quem o
sentimento do amor ao próximo, da humildade, do devotamento e da
abnegação, parece inato?
O
número é inferior ao dos egoístas, bem o sabemos, e se assim não fora,
estes não fariam a lei; mas não é tão reduzido, como pensam, e se parece
menor é porque a virtude, sempre modesta, se oculta na sombra, ao passo
que o orgulho se põe em evidência.
Se pois o egoísmo e o orgulho fossem condições de vida, como a nutrição, então, sim, não haveria exceção.
O
essencial portanto é fazer que a exceção passe a ser regra e para isso
incumbe destruir as causas produtoras do mal. A principal é,
evidentemente, a falsa idéia, que faz o homem da sua natureza, do seu
passado e do seu futuro.
Não
sabe donde vem, julga-se mais do que é; não sabendo para onde vai,
concentra todos os pensamentos na vida terrestre. Deseja viver o mais
agradavelmente possível, procurando a realização de todas as
satisfações, de todos os gozos.
É
por isso que investe contra o vizinho, se este lhe opõe obstáculo;
então entende dever dominar, porque a igualdade daria aos outros o
direito que ele quer só para si, a fraternidade lhe imporia sacrifícios
em detrimento do próprio bem-estar, e a liberdade, deseja-a só para si,
não concedendo a outrem senão o que não fira as prerrogativas. Se todos
têm essas pretensões, hão de surgir perpétuos conflitos, que farão
comprar bem caro o pouco gozo, que conseguem fruir.
Se
porém erguerem os olhos para onde a felicidade não pode ser perturbada
por ninguém, nenhum interesse alheio precisa de ser debelado e,
conseguintemente, não há razão de ser para o egoísmo, embora subsista o
estimulante do orgulho.
A
causa do orgulho está na crença, que o homem tem, da sua superioridade
individual, e aqui se faz ainda sentir a influência da concentração do
pensamento nas coisas da vida terrestre.”
Fonte: CACEF - Casa de Caridade Esperança e Fé