A alma virtuosa,
depois de haver vencido suas paixões, depois de abandonar o corpo,
miserável instrumento de dor e de glória, vai, através da imensidade,
juntar-se às suas irmãs do espaço. Atraída por uma força irresistível,
ela percorre regiões onde tudo é harmonia e esplendor; mas a linguagem
humana é muito pobre para descrever o que aí se passa.
Entretanto, que
alívio, que deliciosa alegria então experimenta, sentindo quebrada a
pesada cadeia que a retinha à Terra, podendo abraçar a imensidão,
mergulhar no espaço sem limites, librar-se além dos mundos!
Não mais tem um
corpo enfermo, sofredor e pesado como uma barra de chumbo; não mais terá
fardo material para arrastar penosamente.
Desembaraçada de suas cadeias, entra a irradiar e embriaga-se de espaço e de liberdade. A fealdade terrena e a decrepitude deram lugar a um corpo fluídico de aparência graciosa e de formas ideais, diáfano e brilhante.
Aí encontra
aqueles a quem amou na Terra, que a precederam na nova vida e agora
parecem esperá-la. Então, comunica-se livremente com todos, suas
expansões são repletas de felicidade, embora ainda um pouco anuviadas
por tristes reminiscências da Terra e pela comparação da hora presente
com um passado cheio de lágrimas. Outros Espíritos que perdera de vista
em sua última encarnação, mas que se tinham tornado seus afeiçoados por
provas suportadas em comum no decurso das idades, vêm também juntar-se
aos primeiros. Todos os que compartilharam seus bons ou maus dias, todos
os que com ela se engrandeceram, lutaram, choraram e sofreram correrão
ao seu encontro, e sua memória, despertando-se desde então, ocasionará
explosões de felicidade e venturas que a pena não sabe descrever.
Como resumir as
impressões da vida radiante que se abre ao Espírito? A veste grosseira, o
manto pesado que lhe constrangia os sentidos íntimos, despedaçando-se
subitamente, tornam centuplicadas as suas percepções. O horizonte se lhe
alarga e não tem mais limites. O infinito incomensurável, luminoso,
desdobra-se às suas vistas com suas ofuscantes maravilhas, com seus
milhões de sóis, focos multicores, safiras e esmeraldas, joias enormes,
derramadas no azul e seguidas de seus suntuosos cortejos de esferas.
Esses sóis, que aparecem aos homens como simples lampadários, o Espírito
os contempla em sua real e colossal grandeza; vê-os mais poderosos que o
luminar do nosso planeta; reconhece a força de atração que os prende, e
distingue ainda, em longínquas profundezas, os astros maravilhosos que
presidem às evoluções.
Todos esses
fachos gigantescos, ele os vê em movimento, gravitando, prosseguindo seu
curso vagabundo, entrecruzando-se, como globos de fogo lançados no
vácuo pela mão de um invisível jogador.
Nós, perturbados
sem cessar por vãos rumores, pelo confuso sussurro da colmeia humana,
não podemos conceber a calma solene, o majestoso silêncio dos espaços,
que enche a alma de um sentimento augusto, de um assombro que toca as
raias do pavor.
Mas o Espírito
puro e bom é inacessível ao temor. Esse infinito, frio e silencioso para
os Espíritos inferiores, anima-se logo para ele e o faz ouvir sua voz
poderosa. Livre da matéria, a alma percebe, aos poucos, as vibrações
melodiosas do éter, as delicadas harmonias que descem das regiões
celestes e compreende o ritmo imponente das esferas.
Esse cântico dos
mundos, essas vozes do infinito que soam no silêncio ela os saboreia até
se sentir arrebatar. Recolhida, inebriada, cheia de um sentimento grave
e religioso, banha-se nas ondas do éter, contempla as profundezas
siderais, as legiões de Espíritos, sombras ligeiras que flutuam e se
agitam em esteiras de luz.
Assiste à gênese
dos mundos, vê a vida despertar-se e crescer na sua superfície, segue o
desenvolvimento das humanidades que os povoam e, nesse grande
espetáculo, verifica que em toda parte do Universo a atividade, o
movimento e a vida ligam-se à ordem.
Qualquer que seja
seu adiantamento, o Espírito que acaba de deixar a Terra não pode
aspirar a viver indefinidamente dessa vida superior. Adstrito à
reencarnação, essa vida não lhe é senão um tempo de repouso: uma
compensação aos seus males, uma recompensa aos seus méritos. Apenas aí
vai retemperar-se e fortificar-se para as lutas futuras.
Porém, nas vidas
que o esperam não terá mais as angústias e os cuidados da existência
terrestre. O Espírito elevado é destinado a renascer em planetas mais
bem dotados que o nosso. A escala grandiosa dos mundos tem inúmeros
graus, dispostos para a ascensão progressiva das almas, que os devem
transpor cada um por sua vez.
Nas esferas
superiores à Terra o império da matéria é menor. Os males por esta
originados atenuam-se, à medida que o ser se eleva e acabam por
desaparecer. Lá, o ser humano não mais se arrasta penosamente sob a ação
de pesada atmosfera; desloca-se de um lugar para outro com muita
facilidade. As necessidades corpóreas são quase nulas e os trabalhos
rudes, desconhecidos. Mais longa que a nossa, a existência aí se passa
no estudo, na participação das obras de uma civilização aperfeiçoada,
tendo por base a mais pura moral, o respeito aos direitos de todos, a
amizade e a fraternidade. As guerras, as epidemias e os flagelos não têm
acesso e os grosseiros interesses, causa das nossas ambições, não mais
dividem os povos.
Chegará afinal um
dia em que o Espírito, depois de haver percorrido o ciclo de suas
existências terrestres, depois de se haver purificado através dos
mundos, por seus renascimentos e migrações, vê terminar a série de suas
encarnações e abrir-se a vida espiritual, definitivamente, a verdadeira
vida da alma, donde o mal, as trevas e o erro estão banidos para sempre.
A calma, a serenidade e a segurança profunda substituem os desgostos e
as inquietações de outrora. A alma chegou ao término de suas provações,
não mais terá sofrimento. Com que emoção rememora os fatos de sua vida,
esparsos na sucessão dos tempos, sua longa ascensão, a conquista de seus
méritos e de sua elevação! Que ensinamento nessa marcha grandiosa, no
percurso da qual se constitui e se afirma a unidade de sua natureza, de
sua personalidade imortal!
Compara os
desassossegos de outras épocas, os cuidados e as dores do passado, com
as aventuras do presente, e saboreia-as a longos tragos. Que
inebriamento o de sentir-se viver no meio de Espíritos esclarecidos,
pacientes e atenciosos; unir-se-lhes pelos laços de inalterável afeto;
participar das suas aspirações, ocupações e gozos; ser-se compreendido,
sustentado, amado por todos, livre das necessidades e da morte, na
fruição de uma mocidade sobre a qual os séculos não fazem mossa!
Depois, vai
estudar, admirar, glorificar a obra infinita, aprofundar ainda os
mistérios divinos; vai reconhecer por toda parte a beleza e a bondade
celeste; identificar-se e saciar-se com elas; acompanhar os Gênios
superiores em seus trabalhos, em suas missões; compreender que chegará
um dia a igualá-los; que subirá ainda mais e que a esperam, sempre e
sempre, novas alegrias, novos trabalhos, novos progressos: tal é a vida
eterna, magnífica, a vida do espírito purificado pelo sofrimento.
Os céus elevados
são a pátria da beleza ideal e perfeita em que todas as artes bebem a
inspiração. Os Espíritos eminentes possuem em grau superior o sentimento
do belo. Este é a fonte dos mais puros gozos, e todos sabem realizá-lo
em seus trabalhos, diante dos quais empalidecem as obras-primas da
Terra.
Cada vez que uma
nova manifestação do gênio se produz sobre o mundo, cada vez que a arte
se nos revela sob uma forma aperfeiçoada, pode dizer-se que um Espírito
descido das altas esferas tomou corpo na Terra para iniciar os homens
nos esplendores da beleza eterna. Para a alma superior, a arte, sob seus
múltiplos aspectos, é uma prece, uma homenagem prestada ao Princípio de
todas as coisas.
O Espírito, pelo
poder de sua vontade, opera sobre os fluidos do espaço, os combina,
dispondo-os a seu gosto, dá-lhes as cores e as formas que convêm ao seu
fim. É por meio desses fluidos que se executam obras que desafiam toda
comparação e toda análise.
Construções
aéreas, de cores brilhantes, de zimbórios resplendentes: sítios imensos
onde se reúnem em conselho os delegados do Universo; templos de vastas
proporções de onde se elevam acordes de uma harmonia divina; quadros
variados, luminosos: reproduções de vidas humanas, vidas de fé e de
sacrifício, apostolados dolorosos, dramas do infinito. Como descrever
magnificências que os próprios Espíritos se declaram impotentes para
exprimir no vocabulário humano?
É nessas moradas
fluídicas que se ostentam as pompas das festas espirituais. Os Espíritos
puros, ofuscantes de luz, agrupam-se em famílias. Seu brilho e as cores
variadas de seus invólucros permitem medir a sua elevação,
determinar-lhes os atributos. Suaves e encantadores concertos,
comparados aos quais os da Terra não são mais que ruídos discordantes;
por cenários têm eles o espaço infinito, o espetáculo maravilhoso dos
mundos que rolam na imensidão, unindo suas notas às vozes celestes, ao
hino universal que sobe a Deus.
Todos esses
Espíritos, associados em falanges inumeráveis, conhecem-se e amam-se. Os
laços de família, os afetos que os uniam na vida material, quebrados
pela morte, aí se reconstituem para sempre.
Destacam-se dos
diversos pontos do espaço e dos mundos superiores para comunicarem
mutuamente os resultados de suas missões, de seus trabalhos, para se
felicitarem pelos êxitos obtidos e coadjuvarem-se uns aos outros nas
empresas difíceis.
Nenhum pensamento
oculto, nenhum sentimento de inveja tem ingresso nessas almas
delicadas. O amor, a confiança e a sinceridade presidem a essas reuniões
onde todos recolhem as instruções dos mensageiros divinos, onde se
aceitam as tarefas que contribuem para elevá-los ainda mais.
Uns seguem a
observar o progresso e o desenvolvimento dos globos; outros encarnam nos
diversos mundos para cumprir missões de devotamento, para instruir os
homens na moral e na Ciência; outros ainda, os Espíritos-guias ou
protetores, ligam-se a alguma alma encarnada, a sustentam no rude
caminho da existência, conduzem-na do nascimento à morte, durante muitas
vidas sucessivas, vindo acolhê-la no termo de cada uma delas, quando
entra no mundo invisível. Em todos os graus da hierarquia espiritual, as
almas têm um papel a executar na obra imensa do progresso e concorrem
para a realização das leis superiores.
Quanto mais o
Espírito se purifica, mais intensa, mais ardente nele se torna a
necessidade de amar, de atrair para a sua luz e para a sua felicidade,
para a morada em que não se conhece a dor, tudo o que sofre, tudo o que
luta e se agita nas baixas camadas da existência.
Quando um desses
Espíritos adota um de seus irmãos atrasados e torna-se seu protetor, seu
guia, com que solicitude afetuosa lhe sustenta os passos, com que
alegria contempla os seus progressos e com quanta dor vê as quedas que
não pôde evitar!
Assim como a
criança descida do berço ensaia seus primeiros passos sob os olhares
enternecidos da sua carinhosa mãe, assim também, sob a égide invisível
de seu pai espiritual, o Espírito é assistido nos combates da vida
terrestre.
Todos temos um
desses Gênios tutelares que nos inspira nas horas difíceis e dirige-nos
pelo bom caminho. Daí a poética tradição cristã do anjo da guarda. Não
há concepção mais grata e consoladora. Saber que temos um amigo fiel e
sempre disposto a socorrer-nos, de perto como de longe,
influenciando-nos a grandes distâncias ou conservando-se junto de nós
nas provações; saber que ele nos aconselha por intuição e nos aquece com
o seu amor, eis uma fonte inapreciável de força moral. O pensamento de
que testemunhas benévolas e invisíveis vêem todos os nossos atos,
regozijando-se ou entristecendo-se, deve inspirar-nos mais sabedoria e
circunspecção. É por essa proteção oculta que se fortificam os laços de
solidariedade que ligam o mundo celeste à Terra, o Espírito livre ao
homem, Espírito prisioneiro da carne. É por essa assistência contínua
que se criam, de um a outro lado, as simpatias profundas, as amizades
duradouras e desinteressadas. O amor que anima o Espírito elevado vai
pouco a pouco se estendendo a todos os seres sem cessar, revertendo tudo
para Deus, pai das almas, foco de todas as potências efetivas.
(Léon Denis - Depois da Morte)
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