A variedade envolvendo a fenomenologia 
mediúnica tem sido motivo de assombro para todos os que se interessam 
pelo intercâmbio entre o mundo material e o espiritual. A diversidade 
dos talentos mediúnicos pode ser verificada mediante consulta aos mais 
diferentes relatos que compõem a literatura voltada para o tema, seja ou
 não de origem espírita.
Surpreendem-nos as levitações de 
religiosos católicos durante a Idade Média. Espantam-nos os relatos da 
execução de instrumentos musicais em pleno ar, distantes das mãos dos 
médiuns ou de qualquer pessoa, durante a fase experimental do 
Espiritualismo Moderno, na primeira metade do século XIX. Assombram-nos 
as materializações espirituais, realizadas em ambientes controlados, 
acompanhadas por cientistas, quando estes se interessaram pela 
investigação dos fenômenos mediúnicos, no século XIX e início do século 
XX. Enfim, o sem-número de médiuns e mediunidades, já catalogados ou 
não, instiga nossa sede de entender os mecanismos pelos quais se 
processam as relações interdimensionais.
Os acontecimentos envolvendo as irmãs 
Fox, ocorridos em Hydesville, localidade situada no estado de Nova 
Iorque, em solo norte-americano, constam entre os mais famosos de toda a
 literatura voltada para a mediunidade, não só pela forma como o 
intercâmbio mediúnico se deu, mas também pelo fato de ter envolvido 
expressivo número de pessoas, testemunhas oculares e auditivas de todo o
 processo. Aquele episódio foi para nós outros, os espíritas.
Aliás, é interessante notar que os 
registros históricos dão conta de que o estado de Nova Iorque, em meados
 do século XIX, experimentou significativo número de manifestações 
mediúnicas, em diversas pequenas cidades ali localizadas. A médium 
inglesa Emma Hardinge Britten (1823–1899), tendo vivido na época de tais
 fenômenos, aproveitou suas viagens e realizou um meticuloso trabalho de
 pesquisa que resultou na publicação, em 1870, do livro Modern american spiritualism.
 Nesse trabalho, ela reporta eventos anteriores aos ocorridos em 
Hydesville, mas que foram relativamente ofuscados em virtude da grandeza
 do ocorrido no seio da família Fox. Dentre os episódios parcialmente 
obscurecidos, um em especial desperta a nossa atenção: o que se deu no 
distrito de Watervliet, perto de Albany, vizinha de New Lebanon.
Em Watervliet, vivia um grupo que 
sofrera perseguições na Inglaterra por conta de suas crenças religiosas,
 em mais um dos diversos embates envolvendo religião naquela nação, a 
exemplo da Revolução Puritana de Oliver Cromwell (1599–1658). Esse grupo
 tinha conexões com os quakers, e eram conhecidos como shakers.  Assim que a perseguição se intensificou, os shakers
 migraram para a colônia inglesa Province of New York, que mais tarde 
originaria o estado de Nova Iorque. Foram para lá atraídos pela promessa
 de oportunidades e de relativa tolerância. Ali se instalaram e 
progrediram.
Apesar da imprecisão de datas, 
considerando a reserva com que o grupo tratava do assunto, procurando 
evitar excessiva exposição, sugerem os relatos que os primeiros 
fenômenos mediúnicos envolvendo os shakers se iniciaram em meados de 1837, ou seja, 11 anos antes do fato histórico ocorrido em Hydesville.
Ao que tudo indica, a mediunidade era pródiga entre os shakers,
 pois que, em vez de um ou outro médium manifestar a presença de um 
Espírito, durante os trabalhos religiosos era significativo o número de 
membros que entrava em transe mediúnico. O número relevante de médiuns 
em transe guardava relação direta com o número não menos significativo 
de Espíritos comunicantes. Os Espíritos manifestantes haviam pertencido a
 um grupo de nativos que habitavam aquela região à época da chegada dos 
conquistadores europeus.
A partir do relato da médium e escritora
 Emma Hardinge, o médico e escritor escocês Arthur Conan Doyle 
(1859–1930) nos apresenta fragmentos da história dos shakers, 
fornecendo-nos informações interessantíssimas. No relato de Conan Doyle,
 um detalhe se torna digno de nossa atenção: a forma como os Espíritos 
se anunciavam, quando pretendiam manifestar-se.
Contudo, para conhecer melhor tal 
detalhe, vale a pena recorrer ao texto fascinante do famoso escritor e 
pesquisador da mediunidade e do Espiritualismo, que nos fornecerá uma 
ideia mais exata sobre os acontecimentos envolvendo a mediunidade 
coletiva dos shakers.
Escreve Conan Doyle, no cap. 2 – Eward Irving: os shakers, p. 54:
[…] Os principais 
visitantes eram Espíritos de Peles Vermelhas, que vinham em grupos, como
 uma tribo. Um ou dois presbíteros deveriam estar na sala de baixo, aí 
batiam à porta e os índios pediam licença para entrar. Dada a licença, 
toda a tribo de Espíritos de índios invadia a casa e em poucos minutos 
por toda a parte ouvia-se o seu “Whoop! Whoop!” Os gritos de “whoop”, 
aliás, emanavam dos órgãos vocais dos próprios “shakers”. Mas, quando 
sob o controle dos índios, conversavam na língua destes, dançavam as 
suas danças e em tudo mostravam que estavam realmente tomados por Espíritos de Peles Vermelhas. (Grifo nosso.)
Pelo que pudemos observar, os Espíritos dos nativos pediam licença para adentrar o culto religioso shaker.
 Concedida a autorização, eles se aproximavam dos médiuns e os 
influenciavam de tal forma que os religiosos se comportavam à maneira 
dos nativos quando realizavam seus rituais religiosos.
Esse contato durou cerca de sete anos, 
até que a experiência mediúnica cessou, tendo os Espíritos, 
antecipadamente, anunciado o fim daqueles trabalhos.
Quatro anos depois do encerramento dos 
assombrosos fenômenos ocorridos em Watervliet, iniciaram-se os 
emblemáticos eventos em Hydesville, envolvendo a família Fox.  Ao saber 
do fato, o shaker Elder Evans organizou um grupo de 
correligionários e foram visitar as irmãs Fox. Segundo Conan Doyle, 
quando se reuniram com as meninas médiuns, os visitantes foram saudados 
por Espíritos, e surpresa: alguns desses Espíritos eram os nativos que 
haviam estado em Watervliet alguns anos antes.
Esses relatos são, de fato, instigantes,
 e nos convidam a aprofundar na pesquisa acerca da história da 
mediunidade. Principalmente, nos dão a oportunidade de relembrar os 
fenômenos coletivos de mediunidade que, embora raros, têm como 
acontecimento maior os episódios ocorridos no dia de Pentecostes, quando
 os apóstolos do Mestre Jesus começaram a falar em outras línguas. 
Obviamente, não se pode fazer um paralelo entre o ocorrido com os 
apóstolos e o que se deu entre os shakers, sobretudo no que se 
refere à mensagem decorrente dos fenômenos. Mas é inegável que a 
fenomenologia é a mesma: um transe mediúnico coletivo.
Enfim, quem quer que se interesse pelo 
estudo da mediunidade e do Espiritismo constatará pela simples 
observação que, com o passar do tempo, a manifestação mediúnica perdeu 
muito de suas características físicas, assumindo, cada vez mais, 
qualidades intelectuais. Assim, não é de se admirar que fenômenos 
semelhantes aos apresentados pelos shakers sejam cada vez menos
 comuns. Aliás, a “intelectualização” da mediunidade guarda sintonia com
 o desenvolvimento intelectual da Humanidade e, por consequência, dos 
médiuns. Apesar disto, não podemos deixar de nos surpreender com os 
acontecimentos daquele início de século, por nos terem permitido entrar 
em contato com  outras dimensões da vida, provando que o Espírito não 
somente sobrevive à morte do corpo físico, mas também é capaz de 
manifestar-se aos que ainda permanecem na retaguarda, encarnados na 
Terra.
FONTES:
DOYLE, Arthur Conan. História do espiritismo. São Paulo: Editora Pensamento.
DOYLE, Arthur Conan. História do espiritismo. São Paulo: Editora Pensamento.
OS ESPÍRITOS E OS SHAKERS. Mistérios do Desconhecido. Evocação dos Espíritos. Rio de Janeiro: Abril Livros Ltda, 1993.
DIAS, Haroldo Dutra. (Trad.). O novo testamento. 1. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016.
 

 

