Eternidade

Eternidade

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

A tentação de Jesus no Deserto - Severino Celestino









O EPISÓDIO DA TENTAÇÃO


Era costume entre os judeus que os homens santos buscassem os lugares ermos para meditar. Esses períodos de solidão marcados pelo contato mais íntimo com a Natureza e por frugal alimentação, quase um jejum permanente, ensejavam um despertamento de forças espirituais que faziam deles verdadeiros taumaturgos, dotados de grande força moral e notáveis poderes psíquicos.

Observando a tradição, logo após seu encontro com João, o Batista, às margens do rio Jordão, Jesus internou-se no deserto, onde permaneceu quarenta dias. Enfraquecido e faminto foi visitado pelo demônio, que lhe disse:

"Se és filho de Deus, ordena que estas pedras se tornem pães."

Jesus lhe respondeu: "Está escrito: "Não só de pão vive o Homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus."

O diabo o transportou a Jerusalém e colocando-o no pináculo do templo, disse-lhe:

"Se és filho de Deus, lança-te daqui abaixo, pois está escrito que ele ordenou a seus anjos tenham cuidado contigo e te sustentem nas mãos para não tropeçares em alguma pedra."

Jesus replicou: "Também está escrito: "Não tentarás o Senhor, teu Deus."

O diabo o transportou ainda a um monte muito alto, donde lhe mostrou todos os reinos do mundo com sua glória e lhe disse:

"Dar-te-ei tudo isso se, prosternando-te, me adorares."

Ordenou-lhe Jesus: "Afasta-te, Satanás, pois está escrito: "Ao Senhor, teu Deus, adorarás, e só a ele servirás."


A narrativa evangélica termina com a informação de que o demônio retirou-se e vieram os Anjos para servir a Jesus.

Não obstante a singularidade do diálogo, com inteligentes citações do Velho Testamento encaixadas nas respostas de Jesus, devemos tomá-lo quando muito à conta de uma alegoria, porquanto a figura do demônio, como a personificação do Mal, a força imutável que se contrapõe aos interesses de deus, é mera ficção religiosa.

Segundo os teólogos medievais, os demônios foram anjos que pecaram antes da criação de Adão e tiveram por castigo o inferno. Ali, ao que parece, instalaram-se como soberanos do Mal, divertindo-se em torturar as criaturas humanas que se deixarem seduzir, na Terra, por suas sugestões malignas.

Embora, as afirmativas frequentes de figuras representativas da ortodoxia religiosa quanto à sua existência, o diabo é hoje encarado pela vasta maioria dos fiéis como mera figuração mitológica. Para os teólogos isto seria uma trama do próprio demônio - convencer os homens de sua inexistência a fim de mais facilmente envolve-los.

Todavia, deve-se essa descrença muito mais às fantasias com que cercam a figura do diabo ao longo dos séculos, chegando-se, inclusive, à elaboração de desenhos grotescos sobre sua aparência. Para a mentalidade racional do presente, tais ideias afiguram-se ridículas e infantis.

Revela a Doutrina Espírita a existência de Espíritos profundamente comprometidos com o vício e o crime, seres enfermos que, por estranho desvio, inspirado na rebeldia sistemática, se comprazem em perseguir e prejudicar os Homens. Longe estão, entretanto, de representarem um poder constituído, imutável em suas intenções, capaz de ameaçar a ordem universal, porquanto eles próprios estão regidos por Leis Divinas que trabalham incessantemente suas consciências, impelindo-os inexoravelmente à renovação.

O demônio, por isso, será todo filho de Deus transviado do Bem; mas, sua destinação final, irresistível, contrariando até mesmo a mais forte disposição em contrário é a angelitude. Longo e penoso caminho espera aqueles que tentam negar sua condição de filhos de Deus, marcado por milenárias lutas e sofrimentos, em expiações redentoras, e mais cedo ou mais tarde terão de trilhá-lo, porque esta é a vontade soberana do Criador, que jamais falha em seus propósitos.

Tão fantasiosa quanto a existência do diabo é a ideia de que teria tentado Jesus. Inteligente como o descrevem, saberia que ninguém pode ser impelido ao Mal senão pelo mal que guarda em seu próprio coração. Se é a oportunidade que faz o ladrão, como proclama o velho ditado, devemos considerar que somente o ladrão a enxerga, inspirado por velhas tendências ao roubo.

Se deixarmos um pacote de notas sobre uma mesa, em lugar público, muitas pessoas passarão por ali indiferentes ao dinheiro. Mas aquele que estime apropriar-se de bens alheios, logo pensará numa forma de aproximar-se sorrateiramente e levar as notas.

Partindo desse princípio, conclui-se que Jesus jamais poderia ser tentado por perspectivas de poder e riqueza. Espírito puro e perfeito Ele situava-se acima dos interesses e das paixões que empolgam a Humanidade.

Podemos, pois, considerar esta passagem evangélica como apócrifa, uma interpolação, algo que não aconteceu. Quando muito se trata de uma alegoria apresentada por Jesus e interpretada pelos evangelistas como episódio autêntico.

De qualquer forma, observada a mesma lei de afinidade que estabelece a ligação do homem mau com a oportunidade de praticá-lo, é sempre bom saber que se pretendemos a condição de discípulos de Jesus é preciso que cultivemos pureza e virtude. Caso contrário, nossa comunhão com Ele será tão impossível quanto o episódio da tentação.


por Richard Simonetti, obra: Em busca do Homem Novo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário