Podemos edificar os sentimentos da Divindade por dois meios:
o primeiro pelo bom aproveitamento e observação das experiências da vida;
o segundo pelo estudo.
Fé: no sentido comum, a crença em algo constitui a fé.
Normalmente inata, manifesta-se pelo seu caráter natural em aceitar as
coisas e realidades conforme se apresentam, sem mais indagações.[1]
Quem
dera eu tivesse nascido com a fé de Chico Xavier! Por qual razão não
possuo a fé de Divaldo Franco, Madre Teresa, entre outros exemplos de fé
inquebrantável? Como fizeram para agradar o Magnânimo que, em
retribuição, os aquinhoou com esta preciosa dádiva?! Qual o poder desta
virtude, capaz de modificar o presente e moldar o futuro? Nasci assim,
sem fé; e agora?
Estas, entre outras, são indagações lançadas ao
Alto, às vezes com um sentimento surdo de revolta por todos aqueles
ainda não detentores desta primordial virtude, a qual, mesmo que seja do
tamanho de um grão de uma mostarda, pode mover montanhas, conforme
asseverou o Cristo.
Ó meu Senhor Misericordioso, o que eu não
daria para deter uma parcela que fosse, pequenina, ínfima, uma bagatela
de fé! Já me bastaria para realizar verdadeiros milagres, em favor meu e
dos mais próximos.
A nossa imaturidade espiritual crê que a
Divindade, ao nos encaminhar de volta à Terra pela reencarnação, por um
passe de mágica, um desejo particular, uma predileção qualquer, comunica
a este e não àquele as muitas virtudes que nos cabem conquistar com o
nosso esforço e não simplesmente obtê-las por um capricho de Deus.
É
da lei divina: seremos relativamente perfeitos, detendo as numerosas
virtudes, inclusive a fé, mãe de todas, mas para alcançar esta meta é
preciso empenho, dedicação, constância; agindo assim ao longo de várias
existências, pouco a pouco, podemos construir em nós mesmos as seguras
fundações para, sobre elas, erigir o majestoso edifício das virtudes que
nos conduzirão à felicidade plena tão buscada e desejada.
A
consoladora Doutrina dos Espíritos elucida sobre a existência de duas
possíveis condutas, permitindo-nos lentamente edificar os sentimentos
nobres que a Divindade deseja que adquiramos: a primeira se dá pelo bom
aproveitamento e observação das experiências da vida em si mesma; a
segunda, através do estudo.
O desenrolar da existência sempre nos
traz oportunidades de reflexão sobre a perfeição das leis do Incriado.
Da observação dos fatos corriqueiros podemos retirar variadas lições,
descortinando a sempre presente solicitude da providência
invariavelmente a nosso favor. Recolhendo aqui e ali percepções
acuradas, podemos consolidar um entendimento de estar Deus no comando,
com tudo acontecendo para nos beneficiar, visando ao nosso progresso;
mesmo as chamadas desgraças nos trazem alertas sobre o modo como
procedemos na atual existência.
Há bom tempo temos o costume de,
quando em situação de dúvida ou incerteza, ou uma fase mais delicada da
vida, orar; e após esta oração, abrir ao “acaso” uma mensagem destes
preciosos livros espíritas, que nos trazem instrutivas abordagens sobre
os mais variados assuntos. É surpreendente a quantidade de vezes em que o
texto oferecido à nossa reflexão, naquele peculiar momento, aborda
exatamente a questão a nos preocupar, seja ela qual for. É uma
experiência única e bem pessoal à nossa disposição, quando nos
convencemos da presença de nosso particular guia espiritual
permanentemente ao nosso lado, atento e prestimoso, cuidadoso e
solícito, paciente e cordato, sempre nos oferecendo algumas palavras de
esclarecimento ou de conforto, oriundas de sua avançada sabedoria. Esta
prática é uma das mais simples ao alcance de todos, contudo, de imensa
importância para Espíritos vacilantes como todos nós ainda o somos.
O
caminho paralelo de aprendizado das virtudes ocorre pelo estudo
continuado das leis eternas. Quando Allan Kardec registrou a inolvidável
frase[2]: “Fé inabalável é somente a que pode encarar a razão face a
face, em todas as épocas da Humanidade”, deu a conhecer o lado racional e
intelectivo desta nobre faculdade até então totalmente desconhecido,
pois as religiões nada ensinavam neste sentido e algumas, com pesar,
ainda o fazem. Basicamente, fé se possuía ou não, se nascia com ou sem
ela.
O insigne lionês — através dos Espíritos superiores a
acompanhá-lo em sua importantíssima missão — nos mostrou a possibilidade
desta virtude ser desenvolvida, cultivada, trabalhada, estudada; isto
através do correto conhecimento e justa percepção das leis divinas.
Para
facilitar a aquisição deste entendimento, não há melhor indicação do
que o estudo da literatura espírita, iniciando de preferência com os
primeiros cinco livros de Allan Kardec, as conhecidas obras fundamentais
ou básicas, dando prosseguimento à análise das obras subsidiárias.
Conjugando
estas duas vertentes, é possível elaborar de maneira coerente a nossa
fé, não mais desejando possuir a fé dos outros, pois cada qual vivencia
as virtudes que fez por merecer, porquanto trabalhou no passado com
afinco, dedicação, perseverança, sendo a fé exemplo inquestionável de um
dos tesouros, que uma vez obtido a traça não rói, tampouco a ferrugem
destrói, muito menos pode ser roubada pelos ladrões, permanecendo
conosco pela eternidade.
1. FRANCO, Divaldo P. Estudos Espíritas. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. 2.ed. cap. 14. Rio de Janeiro: FEB, 1982.
2.
KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Trad. Evandro Noleto
Bezerra. 2.ed. 1.imp. cap. 19, it. 7. Brasília: FEB, 2013.
Fonte: Jornal O Clarim, outubro/2018, por Rogério Miguez.
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