Eternidade

Eternidade

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

BRIGADAS



Houve um tempo em que caminhei por estradas vermelhas.

Pretendi exaltar sonhos excessivos em minhas ações.


Para mim, cheio de devoção pela explosão, tudo era aventura.


Não imaginava que estava na direção do abismo.


Meu grupo jogava sujo, mas parecíamos heróis modernos.


Em nome de ideais políticos, semeamos morte e confusão.


Era a década de 1970 e tudo pegava fogo mesmo.


Entramos no jogo da violência e nos queimamos horrivelmente.


Tingimos de sangue os nossos sonhos de outrora.


Não notávamos, mas havíamos nos transformado no que mais detestávamos no sistema.


Nossa violência nos tornara autoritários e cegos para a liberdade.
Éramos joguetes de forças obscuras em nossos corações.

Viramos marionetes da violência, crianças-monstros devoradas pelos seus sonhos cegos.


Nós erramos muito e o caso do Aldo Moro foi só o nosso erro mais ostensivo.


Ninguém queria aquilo, mas fizemos cegamente.


Hoje, com a distância do olho da História, posso ver perfeitamente que nosso caminho estava minado.


Pagamos um preço alto e perdemos muitas pessoas queridas nessa missão inflamada de discórdia.


No momento dos fatos, tudo parecia aventura e heroísmo.


Mas, assim como nossos adversários, não passávamos de escravos da violência e parceiros de cegueira.


As ruas ficaram manchadas de sangue e tornamo-nos arautos de mais agitação.


Crianças perderam pais e nós perdemos nossa inocência!


Toda uma geração derrapou nas brigadas, mais vermelhas do que nunca, tingidas de sangue e dor.


Queríamos mudar a estrutura do negócio, mas só perdemos sonhos e amigos queridos.


Houve muita dor e traição nessa estrada vermelha.


Eu me lembro nitidamente: irmão matou irmão!


Eu participei do jogo escuro desses dias e meu coração perdeu-se em meio a tanta confusão.


Repeti velhos erros e entrei na rota da destruição.


Manchei de sangue os meus sonhos de esperança e desgracei minha vida e a de muitos outros.


Nunca fomos heróis, éramos arautos da agonia, iludidos por forças obscuras que denegriram nossos objetivos.


Nós e nossos adversários não éramos grande coisa.


Agora, emergindo do vácuo da dor, só vejo sonhos partidos.


Era uma guerra e entramos com tudo!


Além dos sonhos, também perdemos nossas vidas e nossa inocência.


É hora de recolher os cacos de nossas vidas e reaprender os passos.


Mais uma vez, o brilho da esperança surgiu em nossos corações.


Ganhamos uma dádiva: podemos sonhar novamente!


Podemos resgatar os laços que se partiram.


Seremos crianças trabalhando pelos objetivos da paz.


Seremos arautos de vida, pois podemos sonhar novamente.


Viveremos no mundo mais uma vez, sem estradas vermelhas, sem sangue no caminho, sem perder os sonhos.


Aquele tempo se foi e fomos curados da loucura.


Seremos crianças em uma nova era, e nossos sonhos florescerão.


Hoje, vejo claramente: não tínhamos inimigos, apenas perdemos nossos sonhos e nos corrompemos.


Nós e eles éramos irmão no meio de uma grande confusão.


No fim, a aventura ficou violenta e perdemos tudo.


Agora, resgatado daquela nuvem confusa, só vejo uma nova brigada formando-se no horizonte: A BRIGADA DA PAZ!


Por ela, serei criança novamente na construção de um novo mundo.


Repararei os erros de antes, pois sonhos mais brilhantes guiarão meus passos por outros rumos...


Isso era tudo o que eu queria: esquecer as estradas vermelhas e voltar a sonhar de verdade.


Agora eu sei: ninguém é meu inimigo!


E o mundo não precisa do vermelho de minha violência antiga.


O mundo precisa das brigadas da paz ensinando as crianças a plantar flores .


Os governantes medíocres serão pressionados pelos sorrisos das crianças.


Elas mudarão o mundo!


Eu fui resgatado do vácuo da dor e voltei a sonhar.


Não pretendo ser herói dessa vez, apenas uma criança tentando abrir caminhos de luz na vida.


Retornarei com meus amigos em uma nova frente, sem armas, só com sonhos de paz.


Isso era tudo o que eu queria: sonhar novamente!


- Anônimo -

(Recebido por Wagner Borges; São Paulo, 29 de maio às 22:14h)


PS: Muito obrigado aos amigos luminosos que nos devolveram a capacidade de sonhar e de nos redimirmos no mundo.


OBS: Esses escritos são o depoimento de um espírito desencarnado que viveu e morreu pelas brigadas vermelhas. Eu, Wagner D. Borges, apenas escrevi os seus pensamentos. Particularmente, sou apartidário, e para mim, a liberdade de expressão é um dom sagrado. Além do mais, sequer conheço bem essa história das brigadas na Itália, época em que eu era adolescente.


* Brigadas vermelhas: Grupo terrorista italiano que agitou o país na segunda metade dos anos de 1970. Seu ato mais ousado e recriminado foi o seqüestro e assassinato do premier Aldo Moro.

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